Entre letras e suspiros sobrevive
o poeta da praça, sem beleza ou formosura. Ele sai todo dia cedinho de casa com
a benção da mãe já bem velhinha e a benção do pai no retrato, de quem só resta
a saudade. No banco da praça se assenta e para as beatas a caminho da missa ele
acena.
E ele vê passar a D. Ruth, o Seu
Marcelo, a D. Emília. Lá adiante, Seu João abre a banca e assim se oficia a
primeira parte de seu dia: o café fresquinho, acomodado na garrafinha de alça
vermelha, que a D. Francisquinha Lhe faz de bom grado. A prosa flui a cada gole
e depois riem do Seu Pedro, macambúzio por natureza. Ele passa emproado, o
cabelo na goma. O poeta mesura em troça, João dá bom dia, mas o ancião aos dois
ignora, pois possui filho e neto já doutores e “doutor” não se dá com “gentinha.”
Finda a pausa, volta o
trabalhador a seu lugarzinho e ali compõe o primeiro rabisco do dia: “Melodia
de viver” – ele o batiza. O moço enamorado muito lhe agradece, rasga-lhe seda,
chama-lhe de artista. O poeta, em discordância, diz que a arte é da D. Clarice,
do Seu Drummond, da D. Coralina. Ele só tem a “cabeça boa” - endossa lembrando
o que ouvia na tenra idade. Em prol do sustento, a pobreza só lhe permitiu
pouca instrução. O rapaz meneia a cabeça e contesta, mas o poeta não lhe dá
ouvidos, pois assim como o amor cega ele também ensurdece. Ora, pois, ela era
quem vinha Dorinha, moça do sorriso de marfim. O sol de azul alumia sua negra
cabeleira e de noite, a lua, com inveja dela, não sai.
Ela passa de casaco bordado,
óculos escuros, passos de rainha e, por piedade, lança um cumprimento ao mortal
plebeu que o acolhe num sussurro. Ela então se afasta carregando consigo a
graça de sua passagem e o poeta de tristeza agoniza em silêncio.
O freguês, que a tudo assiste e
nada entende, lhe dá a paga e se vai. O poeta ali permanece e com profundo pesar suspira, ansiando pela chegada de do dia seguinte.
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