Hora do rush. Pontos de ônibus
lotados e milhares de luzes vermelhas nas ruas é o cenário daquela parte do dia
de segunda a sexta.
Alice sai do trabalho como sempre
tendo hora pra chegar, contudo seus passos são de quem não tem compromisso. A maturidade
trouxe-lhe tantos ensinamentos a ponto de o deslizar do relógio não incomoda-la
tanto. Seu rosto sereno e bem moldado expressa a calma de sempre, assim como
seu elegante trajar denota uma nobreza que só os de sangue azul latino tal e
qual o dela sabem que lhe é inato. Em seu caminho, ainda aqueles que teimam
atribuir suas conquistas ao sobrenatural bem como a formulas mágicas e sua reação
diante destes é sempre menear a cabeça e lamentar não haver mais homens como
Henry Ford ou outros que, como afirmaria Paul Hanna, não permitiriam que suas
vidas se estacionassem na confortável posição do piloto automático.
O coletivo verde e branco dobra a
esquina e para possibilitando o desembarque de meia dúzia de pessoas entre
elas, nossa heroína. Ela se apressa com o fito de aproveitar o sinal ainda
vermelho e um breve sorriso de triunfo ilumina seu rosto ao chegar do outro
lado.
Vencida a barreira dos
panfletistas, Alice adentra o prédio de fachada envidraçada e faz cara feia ao
perceber o tamanho da fila do elevador. Durante um curto espaço de tempo se vê
dividida em esperar ou amargar diversos lances de escada até o quinto andar. Sua
indecisão termina com a chegada de um colega que a encoraja a enveredar pela
opção dois.
Já em sala de aula, o coração de
Alice congela quando o primeiro educador da noite adentra o recinto, pois junto
com ele vem seu afeto. Afeto porque a mulher não se atrevia a denomina-lo de
amado nem tampouco negar a existência de sentimentos por sua pessoa. Como era
de se esperar, os dois evitam se olhar apesar de este ter escolhido um assento
próximo ao dela. Tinham um amigo em comum. Formavam uma espécie de trio de
sucesso, sempre juntos e paradoxalmente separados. Se inquirida fosse a esse
respeito, a universitária de um quarto de século não saberia explicar ao certo
o que se sucedeu para tal fim. Só podia exprimir aquilo que como uma boa
curiosa acerca do comportamento humano era capaz: inferências – faca de dois
gumes; dualidade que pode culminar em algo genial ou em ruína, a depender do
contexto. Alice e seu afeto, infelizmente, deram fim ao que nem sequer havia
tido um começo; infortúnio do qual certa porção de sabedoria foi tirada,
entretanto a moça ainda via-se às voltas com algumas indagações no futuro do
pretérito e se fosse forçada a expressar em uma única palavra seu emaranhado
sentimental, o vocábulo que mais se encaixaria seria compaixão. Alice considerava
seu afeto um tanto “travado”. Era maduro em idade, mas em algum lugar do
passado seu eu estagnou-se. Tentara ajuda-lo, porém fracassou. Não se pode
amparar a quem não lhe estende o braço de volta quando oferecido. De mentiras, omissões
e contradições nada se pode aproveitar. O mesmo, guardando as proporções, pode
se dizer do silêncio, uma vez que desse ventre pode nascer a dúvida e nesse
ponto Alice ainda não evoluira, mas se sentia apta ao exercício da piedade. Apiedava-se
de vislumbrar tão boa essência encoberta por tão grossa casca de sujeira. Para ela,
tal coisa era mais maligna que um câncer.
Antes da emancipação da mulher,
boa coisa era nascer homem, por conseguinte o preço a se pagar é alto. Meninos são
ensinados a apegar-se a figuras de coisas inanimadas ao passo que as meninas
aprendem desde cedo a amar e a cuidar, primeiro de suas bonecas e bichos de
pelúcia, depois daqueles a quem pode chamar de seus. Há quem considere tal sina
masculina como sorte, porém uma análise mais profunda é capaz de afastar tal
conclusão. Para Alice, não só a competência tem conceito cumulativo. Vida a
dois, também. Alma gêmea é uma expressão muito bem vinda em poemas, contudo de
significado superficialmente compreendido tal como superficial é o coração do
seu afeto porque seu profundo se encontra ocupado com coisas que não deveriam
estar lá, mas tal realidade não se enxerga a olhos naturais. É uma das coisas
que só a compaixão pode realizar. E dessa forma nossa heroína segue em
altruísmo.
Acidentalmente, seus olhares se
cruzarem. Ele responde em remorso ao ato que considera acusador. Ela, em
lamento.
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