terça-feira, 20 de agosto de 2013

Paixão de Alice

Hora do rush. Pontos de ônibus lotados e milhares de luzes vermelhas nas ruas é o cenário daquela parte do dia de segunda a sexta.

Alice sai do trabalho como sempre tendo hora pra chegar, contudo seus passos são de quem não tem compromisso. A maturidade trouxe-lhe tantos ensinamentos a ponto de o deslizar do relógio não incomoda-la tanto. Seu rosto sereno e bem moldado expressa a calma de sempre, assim como seu elegante trajar denota uma nobreza que só os de sangue azul latino tal e qual o dela sabem que lhe é inato. Em seu caminho, ainda aqueles que teimam atribuir suas conquistas ao sobrenatural bem como a formulas mágicas e sua reação diante destes é sempre menear a cabeça e lamentar não haver mais homens como Henry Ford ou outros que, como afirmaria Paul Hanna, não permitiriam que suas vidas se estacionassem na confortável posição do piloto automático.

O coletivo verde e branco dobra a esquina e para possibilitando o desembarque de meia dúzia de pessoas entre elas, nossa heroína. Ela se apressa com o fito de aproveitar o sinal ainda vermelho e um breve sorriso de triunfo ilumina seu rosto ao chegar do outro lado.

Vencida a barreira dos panfletistas, Alice adentra o prédio de fachada envidraçada e faz cara feia ao perceber o tamanho da fila do elevador. Durante um curto espaço de tempo se vê dividida em esperar ou amargar diversos lances de escada até o quinto andar. Sua indecisão termina com a chegada de um colega que a encoraja a enveredar pela opção dois.

Já em sala de aula, o coração de Alice congela quando o primeiro educador da noite adentra o recinto, pois junto com ele vem seu afeto. Afeto porque a mulher não se atrevia a denomina-lo de amado nem tampouco negar a existência de sentimentos por sua pessoa. Como era de se esperar, os dois evitam se olhar apesar de este ter escolhido um assento próximo ao dela. Tinham um amigo em comum. Formavam uma espécie de trio de sucesso, sempre juntos e paradoxalmente separados. Se inquirida fosse a esse respeito, a universitária de um quarto de século não saberia explicar ao certo o que se sucedeu para tal fim. Só podia exprimir aquilo que como uma boa curiosa acerca do comportamento humano era capaz: inferências – faca de dois gumes; dualidade que pode culminar em algo genial ou em ruína, a depender do contexto. Alice e seu afeto, infelizmente, deram fim ao que nem sequer havia tido um começo; infortúnio do qual certa porção de sabedoria foi tirada, entretanto a moça ainda via-se às voltas com algumas indagações no futuro do pretérito e se fosse forçada a expressar em uma única palavra seu emaranhado sentimental, o vocábulo que mais se encaixaria seria compaixão. Alice considerava seu afeto um tanto “travado”. Era maduro em idade, mas em algum lugar do passado seu eu estagnou-se. Tentara ajuda-lo, porém fracassou. Não se pode amparar a quem não lhe estende o braço de volta quando oferecido. De mentiras, omissões e contradições nada se pode aproveitar. O mesmo, guardando as proporções, pode se dizer do silêncio, uma vez que desse ventre pode nascer a dúvida e nesse ponto Alice ainda não evoluira, mas se sentia apta ao exercício da piedade. Apiedava-se de vislumbrar tão boa essência encoberta por tão grossa casca de sujeira. Para ela, tal coisa era mais maligna que um câncer.

Antes da emancipação da mulher, boa coisa era nascer homem, por conseguinte o preço a se pagar é alto. Meninos são ensinados a apegar-se a figuras de coisas inanimadas ao passo que as meninas aprendem desde cedo a amar e a cuidar, primeiro de suas bonecas e bichos de pelúcia, depois daqueles a quem pode chamar de seus. Há quem considere tal sina masculina como sorte, porém uma análise mais profunda é capaz de afastar tal conclusão. Para Alice, não só a competência tem conceito cumulativo. Vida a dois, também. Alma gêmea é uma expressão muito bem vinda em poemas, contudo de significado superficialmente compreendido tal como superficial é o coração do seu afeto porque seu profundo se encontra ocupado com coisas que não deveriam estar lá, mas tal realidade não se enxerga a olhos naturais. É uma das coisas que só a compaixão pode realizar. E dessa forma nossa heroína segue em altruísmo.


Acidentalmente, seus olhares se cruzarem. Ele responde em remorso ao ato que considera acusador. Ela, em lamento.

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