Para quem não está familiarizado com a expressão subversão
da ordem institucional, talvez a conheça como golpe de Estado. Este, por sua
vez, pode ser conceituado como o ato de depor um governo legitimamente
instalado, ou como uma ruptura institucional repentina e, para ficar mais
claro, vamos apresentar o conceito de subversão, de acordo com o Aurélio: Ato ou efeito de subverter. Insubordinação; revolta; ruína;
perversão; destruição.
Feitas estas considerações iniciais, vamos a uma rápida aula
de história: desde o início de nossa trajetória como República em 1889,
registramos nove episódios, aos quais os historiadores, contempladas as
respectivas características, consideraram como espécies de golpes de Estado. O
primeiro deles ocorreu em 1823, e é denominado como “Noite da Agonia”.
Dado pelo próprio imperador, D. Pedro I, contra a primeira Assembleia
Geral Constituinte Brasileira. Essa Assembleia,
eleita e instalada em 3 de maio de 1823, tinha o
objetivo de confeccionar o primeiro texto constitucional. O principal motivo para o
golpe foi as disputas políticas internas dos constituintes, que se dividiam
entre liberais e conservadores e assim o imperador, à época, optou pela
dissolução da Assembleia, o que ocorreu na madrugada do dia 12 de novembro de 1823.
Nosso
segundo exemplo aconteceu 17 anos mais tarde em 1840, durante o período
regencial. Trata-se do Golpe da Maioridade.
Após a Abdicação
de D. Pedro I, em 1831, o herdeiro do trono, D. Pedro II, era apenas
uma criança. Dessa forma, a chefia do país teve que
ser confiada a regentes, entretanto, esse período perfazia-se complicado,
politicamente, vez que a disputa entre liberais e conservadores estava no auge.
Um grupo de deputados e senadores, então, juntaram-se e formaram um clube
chamado “Clube Maiorista” que, após certo interstício temporal contou com a
adesão do próprio Pedro II. Frente a isso, Dom Pedro II ascendeu ao trono em 23
de julho de 1840, antes de atingir a maioridade.
O
terceiro golpe foi a Proclamação da República. Datado de 15 de novembro de
1889, foi na verdade um golpe militar que pôs
fim ao regime monárquico no Brasil. O movimento republicano no Brasil remontava
à época colonial, mas se tornou realmente intenso na época do Segundo Reinado.
Mas para que o golpe contra a monarquia fosse bem-sucedido, os
republicanos necessitavam do apoio da principal autoridade militar da época: o marechal Deodoro da Fonseca.
Para
convencer Deodoro a “proclamar a República”, os conspiradores tiraram proveito dos
prejuízos que as decisões do então ministro de Pedro II, Visconde de Ouro Preto,
acarretavam ao Exército. Além disso, disseram ao marechal que, em lugar de Ouro
Preto, seria nomeado um antigo inimigo pessoal seu: Gaspar da Silveira Martins.
Diante
dessa situação, Deodoro reuniu algumas centenas de soldados e marchou sobre a
cidade do Rio de Janeiro com o objetivo de derrubar o ministério de Ouro Preto.
Esse gesto, desprovido de participação popular, deu início ao regime
republicano no país.
Nosso
golpe de nº 04, datou-se de 03 de novembro de 1891. O monarquista que proclamou a república (!)
ficou encarregado de chefiar interinamente a nação até que esta tivesse uma Constituição. Em 14 de fevereiro de 1891, o texto constitucional ficou
pronto e Deodoro da Fonseca foi eleito indiretamente o Presidente da
República, ficando a vice-presidência sob a égide do também marechal Floriano Peixoto.
Deodoro
passou o primeiro ano de seu governo sofrendo pressão dos oposicionistas e, por
causa disso ,dissolveu, via decreto, o Congresso Nacional em 3 de novembro de 1891. Em seguida, para completar o golpe, instaurou, com
outro decreto, Estado de Sítio
no Brasil.
O próximo fato histórico aqui a ser narrado, assim creio eu, provocará
sinestesia nos leitores: vinte dias após o golpe de 03 de novembro Deodoro da Fonseca renunciou ao cargo
de presidente, diante da reação da marinha brasileira, que ameaçou bombardear a
cidade do Rio de Janeiro caso o presidente continuasse no cargo. Essa reação
ficou conhecida como Primeira Revolta da Armada.
O assento
presidencial foi ocupado pelo vice, Floriano Peixoto, porém,
a Constituição da
época previa a convocação de novas eleições presidenciais, vez que Deodoro
governara por período inferior a um ano. Floriano, no entanto, não convocou as
novas eleições com a justificativa de que a Constituição de 1891 determinava a
convocação de novas eleições só se o presidente tivesse sido eleito diretamente
pelo povo, o que não ocorreu no caso de Deodoro da Fonseca. Essa “brecha” na Lex Mater sustentou Floriano no poder.
Sexto golpe: a Revolução
de 1930. De cunho civil-militar, este movimento foi encabeçado por
lideranças dos estados da Paraíba, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, que juntas
lutaram contra todo o restante do país.
Seu estopim foram
as eleições presidenciais daquele ano. Por intermédio de um resultado
fraudulento, o candidato da situação, Júlio Prestes, indicado como sucessor do então presidente Washington Luís,
foi eleito o novo presidente, mas, ao contrário do que ocorria antes, nos áureos anos da
Primeira República, a oposição não aceitou o ardil e partiu para o
enfrentamento físico.
O governo impopular perante as massas sucumbe facilmente e
Getúlio, então candidato da Aliança Liberal, assume o poder, em caráter
provisório, a 3 de novembro de 1930. Dá-se assim início à “Era Vargas”.
O sétimo lugar
de nossa lista vai para o golpe intitulado como “Estado Novo”. Em 1934, Vargas
é confirmado no poder elegendo-se, indiretamente, Presidente da República. O
estadista lidou com diversos problemas. O principal deles foi a chamada Intentona Comunista, todavia as forças do governo não
tiveram dificuldade em sufoca-la.
Esse gesto, no
entanto, não afastou os fantasmas do comunismo e do tenentismo a ele
associados. Essas duas frentes, por sua vez, eram forças a serem suprimidas,
segundo a ótica dos militares e das lideranças civis contrárias a Getúlio.
Em 1937, foi
descoberto um suposto plano de uma revolução comunista a ser executado no
Brasil, o chamado Plano Cohen. Esse plano teria sido forjado pelo capitão Olímpio Mourão Filho (conhecido membro do Integralismo,
grupo que, no início da década, apoiava o então presidente) com o
objetivo de provocar alarde na opinião pública e justificar um golpe de Estado
e a formação do Estado Novo. Vale salientar que a adesão/simpatia
popular ao golpe não ocorreu de
forma instantânea, mas de uma ação estatal que perdurava desde 1935. O Governo
Federal, por intermédio da propaganda, foi implantando no seio da sociedade (qualquer
semelhança...) o quanto era “letal” o comunismo, fazendo com que a sociedade se
amedrontasse e o repelisse caso houvesse uma tentativa de implanta-lo no país. Por
fim, o Sistema político, de caráter ditatorial, iniciado em 10 de
novembro de 1937, conhecido como Estado Novo
perduraria até o ano de 1945.
Em penúltimo lugar, está a deposição de Vargas em
1945. O grande paradoxo (ou o engraçado) é que os mesmos militares que facilitaram sua ascensão
ao poder providenciaram a sua queda.
O mundo
aspirava ao fim da Segunda
Guerra Mundial e Vargas, assim dizem as más línguas, era simpatizante do fascismo europeu tendo, inclusive, se aproximado da
Alemanha nazista no início do Estado Novo, mas dela afastou-se nos meados do
conflito (por pressão dos americanos, segundo alguns historiadores, temendo
sermos invadidos por estes) passando a apoiar as potências aliadas, como EUA,
Inglaterra e URSS, que foram vencedoras da guerra.
O
cenário pós-guerra veio então impregnado de mensagens de paz, democracia e
direitos humanos e essa nova roupagem com a qual se guarnecia o mundo fez com
que o Estadista se convencesse de que não teria cabimento continuar um regime
nos moldes do Estado Novo. Iniciou então um processo de abertura democrática
que visava nada mais que sua permanência no poder.
O
estadista gaúcho aproximou-se tanto do PCB, bem como das bases operárias
urbanas acreditando que ali estava o apoio necessário para conseguir seu
intento. Essa aproximação resultou no Queremismo e no aumento do descontentamento das
lideranças liberais e militares para com o Chefe de Estado. A “gota d'água” veio
com o afastamento do então chefe de
polícia do Distrito Federal João Alberto Lins de Barros. Em resposta, tropas se
mobilizaram no Distrito Federal. Gaspar Dutra e outros militares, procurando evitar
derramamento de sangue, propuseram a Vargas que assinasse um documento de
renúncia ao cargo. Passado esse momento, Getúlio refugiou-se em sua cidade
natal, São Borja.
Chegamos então ao final da primeira parte deste
postulado apresento-lhes o item derradeiro de nossa lista: O Golpe Militar de 1964. Seus principais fatos são:
João Goulart, nos anos de 1963 e 1964,
apresentava uma postura polêmica ao incitar militares de patente baixa, como
sargentos, a se insubordinarem contra a hierarquia militar;
Além
de apoiar as reivindicações de reformas dentro da estrutura militar, Goulart
também tinha propostas de reformas de base em outros setores, como o setor
agrário.
Em
meio a essa ambiência, na madrugada de 31 de março, o general Olímpio Mourão Filho (sim, ele
mesmo!) mobilizou
suas tropas de Juiz de Fora contra o governo. Ao mesmo tempo, no Rio de
Janeiro, Costa e
Silva liderou outra ofensiva,
independente da de Mourão. Goulart, no dia seguinte a essas ações, não havia
ainda se manifestado.
No
dia 2 de abril, o Congresso Nacional, pensando que o presidente havia se
exilado, declarou a presidência vaga. O presidente do Congresso, Ranieri Mazzili, assumiu
o posto. Goulart ainda não havia saído do país, mas já era tarde: a decisão do
Congresso estava tomada e, a dos generais, idem. Estes instalaram o Supremo Comando Revolucionário e escolheram, por meio do Ato Institucional
nº 1, um novo presidente para o Congresso.
Ante
a exposição acima, o que se concluí? O Brasil parece fadado a repetir
ciclicamente seus acontecimentos históricos. Recomendo assistirem aos filmes
“Mauá – o Imperador e o Rei” e o também brasileiro “Eles não usam Black tie” para
depois refletir: mudou alguma coisa em nosso país? E nesse ponto alguém me
pergunta: “Juliana, cadê a segurança jurídica?” Afirmo-lhes que a mesma é um
princípio constitucionalmente garantido não de maneira expressa, mas implícita
e para que a mesma exista pressupõe-se uma ordem jurídica em que se
garantam importantes instrumentos para a defesa dos particulares em face do
Estado e seu poder de império. Em cenários politicamente instáveis, esta fica
ameaçada e sua manutenção comprometida, pois geralmente cometem-se atos travestidos
de legalidade com propósitos outros que não o alcance da justiça.
Em Direito, além da adequação da norma ao caso concreto, existe a preocupação
com os precedentes, ou em outras palavras com a jurisprudência, entretanto o
verbete precedente expressa melhor o entendimento que devemos ter agora e me atrevo
a afirmar que uma vez alcançada tal meta, sua profundidade será de cunho
paradoxal. A resposta está na leitura
das entrelinhas, contudo nossa mente tenderá a vasculhar a fim de encontrar o porque
da construção de um arcabouço jurídico tão voltado a nos proteger das
vicissitudes dos perfis ditatoriais e coronelistas se ao final lançar mão das,
por assim dizer, ferramentas destes regimes parece mais célere e eficiente.
É triste perceber o abalo que os alicerces trazidos pela Constituição de
1988 vem sofrendo. Ordem e progresso é o que diz a nossa flâmula e não o
contrário.
REFERÊNCIAS
FERNANDES, Cláudio. "Quantos golpes de
Estado houve no Brasil desde a Independência?"; Brasil Escola. Disponível em
<http://brasilescola.uol.com.br/historia/quantos-golpes-estado-houve-no-brasil-desde-independencia.htm>.
Acesso em 23 de agosto de 2016.
http://www.infoescola.com/politica/golpe-de-estado/. Acesso
em 23/08/2016.
https://dicionariodoaurelio.com/.
Acesso em 23/08/2016.
http://www.infoescola.com/historia-do-brasil/revolucao-de-1930/.
Acesso
em 29/08/2016.
http://www.infoescola.com/brasil-republicano/estado-novo/.
Acesso em 29/08/2016.
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