sábado, 19 de março de 2016

As vantagens e desvantagens do processo de seleção

Todo administrador que se preze tem que saber que para toda ação há uma reação, tal como preceitua a Terceira Lei de Newton. Em outras palavras, cada decisão tomada acarretará em uma repercussão positiva ou negativa no âmbito organizacional. O processo de seleção, embora menosprezado e subestimado, é merecedor do mesmo grau de atenção a que se dispende ás decisões de médio e curto prazo.

A abordagem acima não surpreende quem já possui o entendimento de que o mais precioso recurso que uma organização possui são as pessoas. Investir no capital humano significa valorar a clientela interna e com isso crescer em vantagem competitiva.

Ainda sob este viés, o processo de seleção pode ser resumido como sendo a maneira pela qual se escolhe as pessoas certas para funções e tarefas idem. Escalar, por exemplo, quem não gosta de gente para lidar com gente é, como se diz no popular, “procurar sarna para se coçar”, por isso, ideal é que o administrador ou gestor entenda que a escolha, nesse campo, deve ir mais além que uma análise curricular ou a indicação de um amigo.

Antes de nos aprofundarmos mais no assunto, necessário se faz diferenciar a seleção do recrutamento de pessoal: a seleção de pessoal consiste na escolha, entre os candidatos recrutados, daqueles mais adequados aos cargos existentes na empresa, visando manter ou aumentar a eficiência e desempenho do pessoal enquanto que o recrutamento é o conjunto de procedimentos que visa atrair candidatos potencialmente qualificados e capazes de ocupar cargos dentro da organização. Nesse aspecto, quero chamar a atenção para uma palavrinha ajudante da composição do conceito de recrutamento ora apresentado: “capazes “. A capacitação não é o objeto de nossa análise nesse instante, todavia a expressão deriva do substantivo capacidade, que por sua vez significa poder de execução, produção, rendimento. Por isso, a seleção é o processo onde ocorrerá a triagem e filtragem dos candidatos recrutados para uma posterior escolha daquele que mais se encaixa no perfil desenhado para o cargo.

Da leitura do parágrafo anterior, depreende-se o entendimento de que a seleção se inicia pelo recrutamento e este pode ser de dois tipos: interno ou externo. Interno é aquele que privilegia o preenchimento da vaga através dos recursos internos da empresa. O externo é mais abrangente. Busca-se a captação de recursos humanos no próprio mercado de trabalho e assim, a oferta de candidatos à vaga é maior.

Tanto uma quanto outra modalidade apresenta suas vantagens e desvantagens, tal como exposto no quadro a seguir:


RECRUTAMENTO INTERNO


VANTAGENS


DESVANTAGENS
Mais econômico;

Exige que os novos empregados tenham potencial de desenvolvimento para poder ser promovidos, e se isso não acontecer poderá ocorrer desmotivação ou desligamento;

Mais rápido, pois a transferência pode se dar de forma imediata;
Pode gerar problemas com aqueles que não têm potencial de crescimento, levando-os a escolher subordinados fracos ou boicotar os que podem crescer;

Mais seguro;

Quando administrado incorretamente pode levar a situação conhecida como “Princípio Peter”.

Fonte de motivação.

RECRUTAMENTO EXTERNO


VANTAGENS


DESVANTAGENS
“Sangue novo” e experiências novas para a empresa;
Mais caro e mais demorado que o recrutamento interno;
Aproveita os investimentos em preparação e o desenvolvimento de pessoal efetuado em outras organizações ou pelo próprio candidato.

Em princípio é menos seguro que o recrutamento interno, pois os candidatos são desconhecidos;

Pode desmotivar o pessoal interno;

Pode afetar a política salarial da empresa, influenciando as faixas salariais.


Percebe-se que, seja qual for a modalidade escolhida, haverá um preço a ser pago. Cabe ao responsável pelo processo avaliar os prós e os contras de forma a escolher o menos oneroso ao empreendimento, uma vez que há fatores que influenciam no processo, tais como os fatores tempo e custo. A necessidade de contratação pode advir de um momento em que a empresa não esteja em condições de terceirizar a demanda, bem como a reposição ser tão urgente que não se dê para aguardar o término de todo o processo. Entretanto, importante se faz que o absenteísmo não seja uma constante no meio organizacional e para quem não está familiarizado com o termo o mesmo define a tendência dos colaboradores de uma organização de se defender das deficiências do ambiente corporativo, como por exemplo, faltar ao trabalho por motivos de saúde. É claro que não devemos tomar tal ato como genérico, tampouco interpretar as ausências como adesão ao fenômeno, contudo ficar alerta ao número de ocorrências é prudente, pois o absenteísmo é venenoso – uma vez instalado, aumenta os custos organizacionais e atravanca o processo de persecução dos objetivos empresariais.

Superada a fase do recrutamento, inicia-se a seleção de pessoal propriamente dita. O processo baseia-se fundamentalmente na análise comparativa entre as exigências do cargo e as características do candidato. Essa comparação acontece por intermédio de entrevistas (estruturadas ou não) e testes de aferição variados, que objetivam examinar aspectos que vão do prático ao psicológico.

A dinâmica de grupo, por sua vez, também é largamente utilizada, principalmente quando o cargo a ser preenchido exija que seu detentor tenha iniciativa, bem como seja capaz de tomar decisões sensatas, ainda que sob pressão.

Finalizada a seleção, um laudo é confeccionado. É a síntese de todo o processo. O requisitante receberá um parecer contendo o perfil de cada um dos finalistas, juntamente com o respectivo posicionamento em razão dos testes realizados. Passada essa fase, os finalistas serão submetidos a uma entrevista técnica, ficando a cargo do requisitante a escolha final.

Tal como afirmado em nossas considerações iniciais, o assunto em tela tende a ser menosprezado e subestimado, porém quando executado em todas as suas etapas e minúcias, traz benefícios à organização - possivelmente em longo prazo, mas nem por isso desvantajosos. Outrossim, confira abaixo alguns exemplos dos erros mais cometidos no processo de contratação:

1 – Buscar um clone” do empregado anterior;
2 – Fazer as coisas no desespero, sem ter um banco devidamente abastecido de currículos;
3 – Omitir a parte ruim do cargo ou prometer coisas inexistentes na tentativa de segurar um bom candidato;
4 – Síndrome do “vai esse mesmo”;
5 – Exigências descabidas para determinados cargos;
6 – Assumir sozinho a contratação de alguém;
7 – Não levar em consideração a Cultura da empresa.

Do exame do texto, pôde se extrair as vantagens de se adotar o processo seletivo em sua íntegra. As desvantagens, por sua vez, consistem no que aqui podemos chamar de “acidentes de percurso” onde estão presentes, de igual forma, diversas variáveis incontroláveis. Além disso, o certame ocorre quase que integralmente no campo da subjetividade, onde os instrumentos de mensuração não são infalíveis, bem como o resultado obtido não pode ser tomado como verdade absoluta. Chamo a atenção, no entanto, para o quanto afirmado no início: todo administrador que se preze tem que saber que para toda ação há uma reação e que cada decisão tomada acarretará em uma repercussão positiva ou negativa no âmbito organizacional. Desse modo, seguir o protocolo, guardando as proporções, é mais seguro do que queimar etapas que posteriormente impliquem em maior ônus.

REFERÊNCIAS


VIEIRA, Gilson. Gestão de Pessoas. Salvador, 2012. (Apostila).

sábado, 12 de março de 2016

No Buzu

Mermão, vida de pobre é mesmo uma “lá ela”! Primeiro, fui dormir sem chamego. A nega viu a mensage da pire no zap, tentei explicar que os esquema não era pra mim, mas num adiantou: ela pintou-lhe a p... comigo e me expulsou do quarto. Dormi no sofá apertado, um calor da disgriça e as muriçoca ziiiimmm no meu ouvido, parcero! Pense aí!

De manhã, eu na bruxa já, atrasado pro trampo, doido procurando meu pisante, quando vejo, ta a ela do cachorro mastigando os cadarços! Rumeila disgriça e o bicho saiu: caim, caim, caim... e a Nega levantou azuada só faltando me chamar de Santo Antonio e rapadura. Peguei minha p... com cadarço ruído mesmo e vazei.

Peguei o buzu pra dá a volta pensando que ia conseguir ir sentado, quem viu?! O bicho já veio lotado que só a p... Entrei nas manha, ta ligado! O cobra é meu parcero das antiga e aí a gente começou a trocar umas ideia.

No ponto do Iguatemi, entraram umas novinha e eu viajei, parcero. Era umas morena, no grau, ta entendeno? Fiquei tão viajano nas novinha que nem vi porque onda o motô deu um daqueles freio de arrumação. Fui parar detrás de um polícia que tava próximo da porta de saída e pra não me lascar mais do que eu já tava lascado, cabei passando os braços ela cintura dele. Parcero! Pense num cara bolado, foi o polícia, véi! Ele se virou na bruxa me perguntando se ele tinha cara de boiola pra eu sair assim agarrano e aí eu disse: “foi mal autoridade! Mas é que o senhor é tão grande que a cintura foi onde deu pra alcançar.” P..., antes eu não tivesse dito nada! O polícia ficou mais puto ainda e me meteu um tapão na caixa dos peito. Fui catar ficha entre o povo que tava no meio do buzu. Quem não saiu debaixo a tempo, recebeu a rebordosa.

Depois disso, começou um fuzuê da disgrama. Teve gente que ficou contra mim, outros contra o polícia, outros até achando que ele era boiola mesmo e tava bancando de homem só pra disfarçar. Teve tamem uns que se tiraram de valente, parcero e incharam pra cima do polícia, que tirou logo o berro da cintura e os macho viraram tudo moça. A zuada continuou até que alguém gritou: “leva pro módulo” e os que num gostaram: “ah não!” e eu, mermao, fiquei foi no meu canto com a caixa dos peito ardendo e o coração no da cobra com medo do polícia querer me picar a p... pra terminar de descarregar a raiva.

Chegando perto do módulo, o polícia abriu caminho entre o povo e me panhou pelo pescoço. Eu gritei: “péra aí, autoridade, que eu to colaborano, num precisa o senhor apertar tanto não!” Ele nem me deu ligança. Colocou aquela mãozona, grande que só a p...,  por detrás do meu pescoço e lá vai a gente.


No módulo tinha mais dois polícia e um deles quando viu aquela ruma de gente se aproximando começou a alisar o cassetete e eu já comecei a pensar nele dando no meu lombo com aquilo. Foi aí mermão que a sorte me sorriu, se é que essa disgriça existe e tem dente: veio de lá um pivete saído num sei de que buraco, se pendurou no polícia e largou-lhe uma dentada no braço do cara véi! Sinistro! Ele deu um gritão e me largou e eu fiquei meio estatalado assim. Foi aí que uma mulher segurou no meu ombro e me sussurrou: “vaza!” E o que eu fiz? Obedeci! Tampei-lhe o pé a correr e nem olhei pra trás.

terça-feira, 8 de março de 2016

Não Haverá Juízo ou Tribunal de Exceção

“XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção.”

“LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente.”

“LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

“LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Estimado leitor, os quatro incisos acima foram extraídos do Art. 5 da Constituição Federal de 1988 e estes serão meu arcabouço para fundamentar mais este postulado.

Inicialmente, quero registrar o porquê de minha escolha: como acadêmica em Direito, encontro-me novamente inserida no mundo das Ciências Sociais (a Administração é uma Ciência Social aplicada) e tal fato me remonta a ideia de que devo fazer uso deste instrumento para promoção do bem comum, seja qual for o número de pessoas que eu puder alcançar. A Bíblia Sagrada nos ensina que mais vale uma alma que o mundo todo e assim partindo desta premissa, ficarei muito feliz se a força destas minhas palavras atingir pelo menos uma pessoa.

Nosso país tem passado por uma fase política e economicamente turbulenta, contudo em minha opinião, a primeira é objeto de mais profunda preocupação, uma vez que economicamente já estivemos piores, entretanto sobrevivemos.

Quando nossa Lei Mãe afirma que não haverá juízo ou tribunal de exceção e, ainda que ninguém será processado nem julgado senão pela autoridade competente, é a garantia constitucional de que houve prévia cominação legal antevendo o suposto delito cometido, bem como prévia organização estatal a fim de criar e legitimar o juízo pelo qual tramitará o caso. Entretanto, o que está se vendo é algo parecido com uma tentativa de usurpação do poder público, onde uma mídia sensacionalista está fazendo às vezes do Estado-Juíz com posterior entrega do apenado á execração pública. Que se dane a presunção de inocência! A televisão disse que o fulano é culpado, então é porque que é mesmo! Alias, pensando bem, era até muito mais inofensivo o tempo em que aparentemente, a TV só ditava moda e (mal) comportamento. Hoje, guardando as proporções, bem como a quem se presta á produção de um jornalismo compromissado com a verdade, estamos cercados de arautos incitando e querendo a volta da barbárie. Tenho uma amiga que um dia salvou um pobre homem de ser linchado por ter entrado em um mercadinho e roubado um quilo de feijão e uma barra de cereais. O que é isso? Justiça? Nem entre os animais ocorre tal coisa. Onde está a racionalidade do homo sapiens? Biólogos, melhor cessar o ensino acerca do evolucionismo, pois estamos é regredindo.

Não pude não pensar em Rousseau ao me inteirar dos últimos acontecimentos e em qual teria sido seu diagnóstico a respeito. Escreveria ele outros princípios de direito político ou uma epístola na qual procuraria despertar no homem o orgulho de ser cidadão? Acredito eu que a segunda opção nos seria de maior utilidade na atual conjectura.  Nossa concepção de Estado é vergonhosa e nosso orgulho de ser cidadão aflora de quatro em quatro anos, por ocasião da copa do mundo. Ademais, ser cidadão é interessante se e somente se resultar em lucratividade. Estado e ordenamento jurídico para nossas mentes tacanhas se restringe a serviço, ou seja, em como podemos nos servir da máquina estatal. Queremos benefícios, auxílios, pensões, pecúlios, gratificações e afins. O jovem americano, diante de uma necessidade de consumo, lava janelas, corta grama, entrega jornais, faz bico de garçom ou de dogwalker. Nossos jovens ficam maquinando em como conseguir aplicando o mínimo de esforço possível na empreitada.

Mais uma vez citando Rousseau, quiçá considerasse ele que precisamos rever nosso contrato social. O que não seria má ideia. Todavia me apropriar da lei tem me ensinado muito sobre a segurança jurídica que dela provém ao passo que me esbofeteia toda a afronta que a mesma sofre, em especial, a Constituição Federal e para que? Aparentemente, satisfazer a vontade do povo, mas que povo e que vontade? Tive a oportunidade de vislumbrar um artigo onde o autor alertava sobre os cuidados que deve ter aquele que tem a multidão em seu percalço. Isto porque a vontade da massa é tão inconstante quanto as oscilações do mercado financeiro. Outrossim, aos que são adeptos da máxima de que a voz do povo é a voz de Deus, um aviso: Isso é uma falácia e eis o porquê: Arão, atendendo ao clamor da multidão, consentiu na feitura do Bezerro de Ouro e por conta disso, houve corrupção entre o povo culminando no perecimento de muitas almas. A multidão preferiu a Barrabás em detrimento de Cristo e Herodes se envaideceu quando a multidão comparou-o a um deus e foi fulminado.


Aos mais céticos, eis um argumento secular: Rousseau em sua obra “O Contrato Social” escreveu: “A vontade geral é sempre reta e tende constantemente à utilidade pública, porém isto não quer dizer que as deliberações do povo tenham sempre a mesma retidão.” Desta forma, não é prudente que o Estado, no uso de suas atribuições, e motivado sempre pela supremacia do interesse público, utilize-se de seu poder de império, bem como do princípio da autotutela para cometer arbitrariedades, muito menos o Direito, que possui, dentre outros, o dever de dirimir conflitos e promover a paz social, pode compactuar com tal afronta aos direitos e garantias individuais. 

sábado, 5 de março de 2016

A LEI ANTIMANICOMIAL E A PERICULOSIDADE DO AGENTE - COMENTÁRIOS À LEI № 10.216/2001 (Trabalho destinado à avaliação curricular da disciplina Psicologia Jurídica, ministrada pelo Profº. Carlos Henrique Martinez no Curso de Bacharelado em Direito FCS)

Falar em uma lei antimanicomial é falar em direitos humanos; é voltar a enxergar o portador de transtorno mental como o ser humano que ele nunca deixou de ser e também o sujeito de direitos legalmente protegido.
A preocupação com os direitos humanos ganhou fôlego no mundo pós Segunda Guerra Mundial, entretanto o assunto remonta às fases iniciais do Movimento Constitucionalista e esse primeiro contato com os temas relacionados aos direitos humanos revela, de imediato, a sua amplitude. Esta pode ser resumida na conhecida expressão que afirma que “direitos humanos é o direito das pessoas em condição de vulnerabilidade”. Neste caso, não é custoso definir que o estado de vulnerabilidade daquele que é portador do antes se denominava de doença mental é bastante considerável e inclusive de igual monta que essas vulnerabilidades afligem severamente a todos os seres humanos e daqui se depreende um outro entendimento: quanto menos condição de se reconhecer como sujeito de direitos mais vulnerável é o ser humano. Além disso, o indivíduo nestas condições pode ostentar todo o tipo de vulnerabilidade, que lhe aflige os fatores econômicos, sociais, biológicos, familiares, históricos, entre tantos outros.
Um conceito de pessoa em condição de vulnerabilidade pode ser visto no texto aprovado pela XIV Conferência Judicial Ibero-Americana, ocorrida em Brasília, que no ano de 2008 proclamou as Cem Regras de Acesso à Justiça:
Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da sua idade, gênero, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, econômicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de  justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
Poderão constituir causas de vulnerabilidade, entre outras, as seguintes: a idade, a incapacidade, a pertença a comunidades indígenas ou a minorias, a vitimização, a migração e o deslocamento interno, a pobreza, o gênero e a privação de liberdade. 

As pessoas com deficiência mental estão sujeitas a discriminação e fortes estigmas, constituindo um grupo ainda mais vulnerável à violações de direitos humanos a nível global. Quatro relatores das nações unidas constataram que as pessoas com deficiências mentais sofrem, além das mais perversas formas de discriminação, difíceis condições de vida, se comparados a qualquer outro grupo vulnerável da sociedade. As práticas violatórias dos direitos de pessoas com deficiências mentais seguem padrões similares em todo o mundo. Essas pessoas são arbitraria e desnecessariamente segregadas da sociedade em instituições psiquiátricas, onde se encontram sujeitas a tratamento desumano e degradante ou a tortura.
Intentando mudar este quadro, iniciou-se no Brasil, por volta da década de setenta, uma reforma na estrutura psiquiátrica, devido às excessivas internações involuntárias, junto às antigas clínicas para enfermidades dessa natureza.
Esta reforma seu deu em duas fases:
· A primeira de 1978 a 1991, tendo como principal característica o modelo de internação do paciente em estabelecimentos psiquiátricos exclusivos;
· A segunda vai de 1992 aos dias atuais, caracterizando-se, principalmente por buscar o tratamento dos portadores de transtornos psíquicos pela implantação do serviço público de saúde a serviços extra-hospitalares.
Em contrapartida, nasce um movimento de luta pelos direitos dos pacientes, exigindo que estes tivessem melhores condições de tratamento e acomodação, bem como a superação do antigo modelo. A luta antimanicomial pode ser definida como a busca incessante pela melhoria das condições de tratamento da pessoa com transtorno mental, no Brasil e no mundo. É travada há longa data, e pode-se dizer, sem medo de errar, que estamos muito distantes de vencê-la.
Nos dias atuais é consenso geral a necessidade de combate ao modelo segregatório e desumanizante das chamadas instituições totais e suas características asilares, que longe, muito longe de recuperar, apenas agravam a situação do ser humano ali submetido a tratamento.
Acompanhando este viés, nasce então a Lei Federal nº 10216/2001, oferecendo um tratamento digno aos internos, gratuito à comunidade, com o Art. 2º, parágrafo único, e os incisos V e VII defendendo o direito dos internos ao tratamento sem discriminação, com direito a assistência técnica, implantando um modelo de reforma psiquiátrica voltada para a atenção pública em saúde mental. Essa política busca acabar com o degradante modelo de internação asilar em manicômios, situação que viola os mais básicos direitos humanos dos pacientes e ainda não apresenta qualquer efetividade quanto à prevenção, tratamento e muito menos reabilitação e reinserção social das pessoas portadoras de transtornos mentais.
DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL
Como toda lei que visa proteger direitos, seu artigo primeiro faz uma exortação do direito ao tratamento isonômico de todos os tutelados, vedando qualquer forma de discriminação baseada em raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno mental.
Na sequência, a lei fixa, em rol exemplificativo, os direitos dos pacientes com transtorno mental. Interessante notar que no momento da internação é obrigatória a ciência de tais direitos aos pacientes e seus familiares ou responsáveis, o que deve ser feito de modo formal, ou seja, em documento escrito.
De certa forma, a lista dos direitos destes pacientes remete a direitos já tutelados pela ordem constitucional, tais como receber tratamento digno e humano; ter acesso aos recursos da saúde pública adequados à suas necessidades; sigilo sobre suas informações médicas (prontuários); proteção contra qualquer forma de abuso enquanto pessoa vulnerável; livre acesso aos meios de comunicação como forma de evitar o isolamento do paciente; além de direitos peculiares a condição de paciente tais como o direito a presença médica permanente para esclarecer sobre a necessidade de internação; o direito de receber todas as informações sobre sua doença; de ser tratado em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis e, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Outro grande destaque da lei, fruto da longa luta antimanicomial, consta do seu artigo quarto, que por indispensável se transcreve abaixo:
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º.

Do excerto acima se extrai que a internação do paciente com transtorno mental é, de fato, um recurso extremo, e que mesmo segregatório não pode deixar de visar a sua reinserção social. E mais, a lei indica que o mínimo que o Estado deve oferecer aos pacientes internados é um rol de serviços médicos, psicológicos, de assistência social, ocupacional, de lazer, assegurando o que a lei denomina de assistência integral.
Em outras palavras, a lei protege aqueles que impedidos de cuidar de si próprios, em razão do estado clínico que demanda cuidados intensivos, ou por incapacidade cognitiva irreversível, ou ainda pelo fato de terem perdido os vínculos familiares em razão do tempo de internação.
O enfraquecimento ou perda dos vínculos sociais e familiares é, de fato, uma das graves consequências dos longos internamentos em hospitais psiquiátricos asilares, é justamente o oposto do que almeja a lei e, sem sombra de dúvidas, o resultado mais perverso e negador dos direitos humanos de um paciente com transtorno mental.
Em substituição ao modelo combatido, previu-se ainda um modelo baseado na excepcionalidade da internação e prevalência de assistência extra-hospitalar, priorizando o atendimento em centros de atenção psicossocial e a desinstitucionalização dos pacientes de longa permanência. Os CAPS são unidades de saúde mental especializadas, onde são oferecidos desde cuidados clínicos até atividades de reinserção social do paciente. Na assistência extra-hospitalar, as pessoas com transtornos mentais continuam recebendo atendimento especializado sem ficarem internadas e, sempre que possível, preservando o convívio familiar. Mas para possibilitar a alta de pacientes que não possuem suporte social e perderam os laços familiares, foram criadas as residências terapêuticas, que são moradias destinadas a cuidar de até oito pessoas egressas de hospitais psiquiátricos.

Do ponto de vista médico, a reforma psiquiátrica veio para superar o paradigma de que a internação do “louco” é um ato terapêutico na busca da “cura” para a loucura, e que possui duplo efeito: proteger a sociedade do “louco” e proteger o “louco” dos graves problemas que sua doença pode ocasionar pela perda da noção de realidade, autoviolência e suicídios.
A edição da Lei 10.216 no ano de 2001 trouxe avanços no campo das políticas públicas, mas o Brasil ainda é herdeiro de um sistema de saúde mental impregnado da cultura de desrespeito aos direitos humanos dos pacientes.
Desde os anos oitenta o Brasil tem lutado corajosamente pela desinstitucionalização. Desinstitucionalizar é derrubar muros e reformular valores, para que haja humanização e respeito aos direitos dos portadores de Transtornos mentais.
O movimento nomeado de Luta Antimanicomial tem na superação do Manicômio, não apenas em sua estrutura física, mas, sobretudo, ideológica, seu grande objetivo. Busca-se a desconstrução da lógica manicomial como sinônimo de exclusão e violência institucional, bem como a criação de um novo lugar social para a loucura, dando ao portador de transtorno psíquico a possibilidade do exercício de sua cidadania. Neste sentido, a reinserção social passa a ser o principal objetivo da Reforma Psiquiátrica, tendo em vista potencializar a rede de relações do sujeito, através do resgate da noção de complexidade do fenômeno humano e reafirmação da capacidade de contratualidade do sujeito, criando assim um ambiente favorável para que aquele que sofre psiquicamente possa ter o suporte necessário para reinscrever-se no mundo como ator social.
Paulo Duarte de Carvalho Amarante e Walter Ferreira de Oliveira, explicando o núcleo essencial das ideias do movimento:
A luta antimanicomial definia o movimento pela saúde mental como um processo cultural no qual a produção social da qualidade da vida não corresponde a um território exclusivo de tecnocracias, mas a um campo aberto aos cidadãos; a idéia central de que as pessoas com transtorno mental integram o coletivo da cidade se estabelece então como parâmetro de inclusão, essencial a todo e qualquer projeto terapêutico.

 Nessa concepção, um sistema terapêutico deve ser um centro organizador de pessoas, saberes e práticas que visam à qualidade de vida do coletivo comunitário, a partir do ponto de vista daqueles que são usuários do sistema, seus sujeitos primordiais, e na perspectiva de uma ação contínua, crítica e transformadora das realidades pessoais, sociais e institucionais.
À guisa de conclusão, vemos que a Lei 10.216 de 06 de abril de 2001 é popularmente conhecida como a Lei Antimanicomial porque, não só dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos metais, mas também porque é uma releitura do modelo assistencial mental até então vigente no Brasil.
De maneira geral, nota-se que a presente tem a preocupação de deixar claro ser a internação a última alternativa, bem como destaca a importância de não afastar o doente do convívio social.

REFERÊNCIAS

MONTEIRO, Vitor Trigo. Modelo antimanicomial, medidas de segurança e direitos humanos. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3498, 28 jan. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23557>. Acesso em: 4 dez. 2015.


quarta-feira, 2 de março de 2016

Estudo dos tempos e movimentos X Gestão de Processos


O trabalho e o ser humano são mais conectados do que se pensa. O próprio Deus, ao criar Adão, diz o texto bíblico, o colocou no Jardim do Éden para o lavrar. Primeira conclusão: o homem foi criado para trabalhar. Entretanto, alguém um dia disse que o trabalho era uma maldição. Isso porque, quando o homem pecou, dentre outras coisas, Deus lhe anunciou que a partir daquele instante ele passaria a comer do suor do seu rosto. Dito isso, alguém aí do outro lado diria: “Isso mesmo, Juliana! Deus amaldiçoou o trabalho!” não, meu caro! - Eu lhe responderia – Deus não amaldiçoou o trabalho, mas sim comunicou ao homem que ele se tornaria mais árduo. Doutra forma, se tal assertiva fosse verdadeira, então Deus teria, de igual maneira, amaldiçoado o ato de procriar, uma vez que Ele disse a mulher que multiplicaria sua conceição e com dores esta passaria a dar a luz.

Discussões teológicas à parte o fato é que o trabalho demorou um considerável interstício de tempo para voltar a ser visto como algo nobre (recomendo a leitura da obra “A ética protestante é o espírito capitalista” bem como as demais teses de Marx acerca do valor e da figura do trabalho na vida do homem) e assim ter sua valoração estendida à pessoa do trabalhador. Paralelo a isso nasceu a preocupação com as maneiras pelas quais o trabalho é realizado e é aí que se inicia nosso estudo. A gestão e o mapeamento de processos é hoje o que se tem de mais moderno quando o assunto é a análise da cadeia produtiva no todo ou em parte e cabe aqui então um comparativo com um antepassado: o estudo dos tempos e movimentos.

Os primeiros estudos sobre os movimentos foram feitos nos idos de 1729, entretanto, o que se conhece como EMT (Estudos dos Tempos e Movimentos) começou mesmo pelas mãos do norte-americano Frederic W. Taylor, o pai da Administração Científica.

O EMT visa à racionalização do trabalho e o alcance da otimização da relação tempo-esforço, procurando identificar os melhores movimentos, bem como o menor espaço de tempo empregado na execução de uma tarefa. A gestão de processos, por sua vez, é um conjunto de ações sistemáticas, baseadas em fatos e dados, que permite manter estável a rotina e favorece a implementação de melhorias e é principalmente por intermédio desta última que as duas ferramentas se assemelham: Taylor entendia que, ao evitar que o trabalhador fizesse um movimento inútil durante a execução de seu trabalho, evitaria o desperdício de certa fração de tempo e essa economia resultaria de igual forma, na eliminação da fadiga. Tal cuidado também contribuía para o aumento da eficiência e da produtividade. Na Gestão de Processos, as tarefas são interligadas e sucessivas, tendo seu início e fim bem definidos, com vista a melhores resultados. Importante salientar que cada etapa do processo em questão tem que, obrigatoriamente, agregar valor ao todo.

Para um melhor entendimento do que isso significa, vejamos uma diferença entre as duas ferramentas, apesar de estarmos estudando suas semelhanças: o EMT advém de uma visão tradicional cujo foco era o chefe, o comando, a hierarquia, a autoridade ao passo que na Gestão de Processos o foco é o cliente, considerando todos os envolvidos. Em outras palavras, se determinada fase de um processo for entendida como algo que não agrega valor ao cliente, esta é imediatamente descartada. Na Administração Científica, onde o EMT era aplicado, não há lugar para desperdícios, seja eles de ordem temporal ou física. Na Gestão de Processos, por sua vez, o consumidor final do produto ou serviço é o que importa. A redução de custos (assim como sua prevenção) também é uma preocupação, tal como na Administração Científica.

Interessante também é que na visão tradicional, a liderança não era considerada, apesar da ênfase que se dava à autoridade, à cadeia de comando. A Gestão de Processos considera as pessoas como elemento principal da execução de cada fase processual, implicando essa consideração na valorização social do colaborador. A Administração Científica enxergava os operários como meros executores; como peças do maquinário pelos quais eram responsáveis (visão homo economicus).

Por fim, apresentemos um quadro comparativo das duas metodologias:



EMT

GESTÃO DE PROCESSOS

Especialização do trabalhador e Padronização do trabalho;


Divisão do trabalho/necessidade de integração

Melhor resultado/ mais economia


Melhoria contínua e mudança por ruptura

Observação e registro;


Tecnologia da Informação e potencialização

À guisa de conclusão,  vimos que o trabalho e o homem são mais conectados do que se imagina. Vimos também, ainda que superficialmente, que a relação trabalhador X trabalho evoluiu ao longo dos anos, não tendo afastado por completo, evidentemente, os líderes atuais do modelo senhor de engenho-feitor-escravo, largamente utilizado nas relações de subordinação, e nesse sentido vê-se que ainda há um extenso caminho a se percorrer, todavia não há o que se discutir com relação a tudo quanto já conquistado pela classe.


Em paralelo, vislumbramos que a preocupação com as maneiras pelas quais o trabalho é realizado deu origem aos primeiros estudos sobre os movimentos, datado das décadas iniciais do século XVIII, com destaque para os trabalhos do engenheiro norte-americano Frederic W. Taylor. A Administração Científica enxergava os operários como meros executores e o Estudo dos Tempos e Movimentos foi concebido em meio à vigência desta teoria cujo foco era o chefe, o comando, a hierarquia, a autoridade, em contraste à Gestão de Processos, focada no cliente, sem desprezar os demais envolvidos. Entretanto, a aparente sensação de que as duas modalidades pertencem a pólos opostos, suas semelhanças ficam mais que evidentes no quadro comparativo aqui exposto e assim consumamos o entendimento de que o Estudo dos Tempos e Movimentos e a Gestão de Processos possuem uma relação de parentesco, com muito ainda a contribuir para o enriquecimento da ciência administrativa.

Deus Atende Desejos ou Necessidades?