quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Memórias de um dia de prova - Parte 1

Voltei à realidade com a voz do Professor Teixeira me chamando e me perguntando se eu lembrava aonde estava. Não, eu não lembrava. Minha presença ali, por tempo que não me me atrevo nem a especular, foi apenas de corpo. Meu espírito estava lá fora, na ciclovia, de onde se via o mar bem de pertinho, com os cabelos ao vento a todo vapor em minha bike, com Geninho e Beca me acompanhando.

Pedi desculpas ao educador e ele culpou a administração do colégio pela minha distração. Estávamos, dada a uma situação emergencial, instalados em uma sala que não era a nossa, desprovida de persianas e, portanto,  podíamos contemplar tudo o que acontecia lá fora. Era sexta-feira e nos encontrávamos às voltas com uma complicada prova de física. Complicada mais pelo fato de o Professor Teixeira ser o ministrador da disciplina do que pela ciência em si. Ser o melhor amigo de Geninho, neste aspecto, me era por demais recompensador. Ele, que conseguia ficar tão concentrado quanto uma mosca pousada em qualquer superfície, era fera em tudo o que envolvia cálculo.

Voltei a me concentrar na folha de papel semi-preenchida em minha frente e fiz mais umas duas ou três contas, sinalizando meu raciocínio com algumas setas, mas eu não conseguia parar de pensar nas pessoas do outro lado da rua. Oh, como eu as estava invejando! Gente de todas as idades, de roupa esporte, acompanhadas ou não. Algumas senhoras seguravam os seus chapéus de modo que esses não fossem levados pela ventania. E eu ali... Física... O profº Teixeira...

Beca, o amor da minha vida desde a 5ª série, estava sentada duas fileiras depois de mim. Ela mantinha a cabeça apoiada em uma das mãos e seu olhar parecia distante. Imaginei se assim como eu aspirava ela pela liberdade. Resolvi então perguntar: ergui uma das mãos ao tempo em que proferi o nome do Teixeira em alta voz. Ele me lançou um olhar fulminante e depois ralhou comigo pelo chamado em alta voz. Realmente  não havia necessidade de gritar, mas fiz de propósito, pois desejava que Beca olhasse para mim, o que funcionou.

Passado esse momento, Teixeira caminhou até mim bufando a fim de ouvir minha petição. Pus a mão à testa e solicitei que ele me tocasse com vistas a averiguar se eu tinha febre, mas para Beca o meu gesto significava saber como ela estava. Em resposta, minha amada tocou o nariz com a ponta do indicador esquerdo sinalizando que já finalizara a avaliação. Beca tinha paixão por Literatura e Biologia, nunca na galáxia acabaria tão rápido aquela prova sem ajuda. Estremeci de espanto e Teixeira julgou que eu havia tido um espasmo. Controlei-me para não sorrir satisfeito pelo sucesso do meu teatro e em resposta fiz cara de coitadinho. Pender o pescoço me deu a oportunidade de voltar minha atenção, ainda que por um breve momento, para beca que, esticando uma das pernas, deu-me a entender que a pessoa a sua frente era uma "mina", ou seja, alguém que entendia do assunto. Para meu revés a mina não era o Geninho e sim meu maior desafeto, o Fernando.

Estava claro que ele a tinha ajudado para me provocar, pois sabia que Beca era meu ponto fraco, principalmente porque seus pais eram contra o nosso namoro.


Deus Atende Desejos ou Necessidades?