domingo, 23 de setembro de 2012

Lavagem Cerebral

Na semana passada, tive a rica oportunidade de ouvir da boca de uma pessoa muito querida palavras que expressaram carinho e admiração. Foi algo que me fez muito bem, contudo minha surpresa foi maior quando esta pessoa me revelou que tinha preconceito em relação aos cristãos. Sei que o povo de Deus vem sendo odiado e perseguido há tempos, porém não imaginei que aquele colega padecesse desse mal, levando em conta seu nível intelectual. Alguém aí do outro lado pode argumentar me dizendo que intelectualidade não quer dizer coisa alguma, até porque não existe só um tipo de inteligência. Este relato também não tem a intenção de julgar se está este meu conhecido certo ou errado em cultivar idéias pré-concebidas (pois é essa é a forma como podemos definir, a grosso modo, o que preconceito quer dizer) mas sim ilustrar o que me pôs a pensar em tal fenômeno, mais especificamente, como esse tipo de coisa pode nascer e se propagar e é aí que entra a expressão que dá nome a está postagem: lavagem cerebral .

Não me recordo como e nem quando esta passou a fazer parte do meu vocabulário. Lembro-me entretanto de que era algo que me assustava ao extremo, pois eu imaginava que se tratava de uma sessão de tortura, algo do tipo: trancar uma pessoa em um cômodo, ata-la e depois submeter o seu entendimento a qualquer composto químico (ou até mesmo a hipnose) que no final a tornaria adepta de alguma seita ou simpatizante de alguma outra ideologia esdrúxula. Só anos mais tarde é que li em algum lugar que lavagem cerebral é um esforço que visa premir as atitudes e crenças de outrem. Nasci em um lar católico e antes da luz do Evangelho de Jesus Cristo entrar em minha vida, eu julgava que os crentes em geral haviam sofrido tal procedimento e era por isso que não eram católicos. Graças a Deus, hoje eu sei o que igreja significa e, de semelhante maneira, compreendo que Cristo não voltará para buscar esta ou aquela denominação, mas sim, a nação santa, o sacerdócio real, o povo escolhido.

Quanto ao que se pensa dos cristãos, a coisa não mudou de figura e muitos ainda julgam a sua diferente maneira de viver como uma reprogramação patrocinada pelos espertalhões interessados em aproveitar-se da fé alheia - leia-se financeiramente. É claro que esse tipo de gente existe, mas não se pode generalizar. Nesse sentido, muitos do que tem essa opinião, acredito eu, nunca pararam para refletir se também não foram "programados" a pensar dessa maneira.  É fato: todo sistema influencia e é influenciado. O perigo está   em quem ou o que vem exercendo influência no meio em que vive. Certa feita, um grupo de conhecidos meus discutiam acerca de uma suposta declaração de um famoso pregador do evangelho sobre o dízimo. É claro que os ânimos estavam exaltados, pois é um "absurdo" qualquer fiel ofertar um real para mantimento da casa de Deus, contudo estas mesmas pessoas não admitem críticas sobre o quanto gastaram em álcool em um único fim de semana, sob a alegação de que "o dinheiro é meu, faço dele o que bem entender" (?!). Ouvi tudo o que eles diziam, à princípio, sem me meter, porém em um dado momento, pedi permissão e desculpas por me intrometer na conversa e lhes exortei a mudar de tática. O homem de quem falavam é alguém de grande relevância, não só no Brasil e, assim sendo, aconselhei-os a lerem a palavra de Deus se interessados estivessem em combate-lo, pois só na bíblia eles encontrariam os argumentos certos a fim de condenar suas atitudes, uma vez que as palavras que vinham saindo de sua boca, até então, vinham sendo inspiradas pela avareza. Sabe o que eles me responderam? Nada!! Silêncio total! Não sou melhor que nenhum deles, todavia é sabido que contra fatos, não há argumentos.

A maioria da população não aceita a visita de um cristão em sua casa, porque temem a tal "lavagem cerebral" mas sentam em frente a TV todos os dias e contemplam a teledramaturgia ensinando que ninguém é de ninguém e depois desejam que seus parceiros levem a sério o relacionamento. O velho adágio continua a valer: "pimenta nos olhos dos outros é refresco". É muito engraçado ver na novela das oito, o homem que tem três esposas e gargalhar com o modo pelo qual elas digladiam entre si. Apesar disso, ninguém quer levar "chifre".    O adultério continua desfazendo muitos casamentos.

O que se vê hoje é um sistema de comunicação em massa interessado em difundir uma cultura cancerígena de extermínio e inversão de valores cruciais igualzinha àquela propaganda que visa influenciar o comportamento do consumidor buscando que esse se interesse em consumir o produto anunciado. Que bom seria se a mídia só existisse com tal intuito! Alguém diria: "dos males, o menor." Todavia, tem gente se aproveitando dos analfabetos emocionais, incapazes de ler as entrelinhas. Isso sim é o que pode ser considerado lavagem cerebral ou, até mesmo, mensagens subliminares. A degradação dos valores morais gera violência e isso não sou eu quem digo e sim as ciências sociais. Em Lamentações de Jeremias, no capítulo três, verso vinte e dois está escrito que as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos. Alguém ainda duvida que Deus existe? Glórias a Ele, pois sem Ele a humanidade já teria suicidado.

Ódio aos judeus, aos negros, aos homossexuais, aos cristãos, aos latinos, aos mestiços, ódio, ódio, ódio! Tudo isso começa sempre com um sujeito boa pinta loquaz e persuasivo. De início, parece alguém inofensivo, mas só depois que, parafraseando um amigo meu, o dragãozinho de três olhos está bem cevado e crescido o bastante para causar destruição é que se tem a noção do perigo. Se você leu, aqui mesmo neste blog, um texto que publiquei em fevereiro deste ano intitulado " A violência oculta" vai notar uma certa familiaridade entre os dois escritos. Sutilmente a sociedade tem sido todos os dias "lavada" de modo a disfarçar a presença de quem interessado está na desestruturação familiar, em afastar as pessoas de Deus, na promiscuidade, etc. Teoria da conspiração? Não sei, deixo a seu critério. Mas concluo chamando a atenção para o perigo dos estigmas nascentes nesse contexto: toda loira é burra, todo pastor é ladrão, japonês e chinês é tudo a mesma coisa e por aí vai.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

A velha casinha

Era uma vez uma velha casinha à beira do caminho. Ninguém sabia precisar há quanto tempo fora construída. Quem por ali passava só podia afirmar que esta existia desde sempre.

Da sua varanda podia-se ver tanto o nascer quanto o pôr-do-sol. Estava desabitada, mas mesmo assim uma grama fresquinha a cercava e flores cresciam aos pés da mureta de pedras fogueadas entrecortada por um também baixinho portão de madeira da cor do tempo. Seu telhado era de um vermelho que não se via mais. Cada pedaço dele fora moldado por alguém que não dominava a língua mãe; familiares daquela gente boa que tem vício na fala, segundo Oswald de Andrade. Estes dizem "mio" para milho, e "pió" para pior, mas são mais brasileiros que os da cidade grande, que os que nasceram na "capitá".

Por aquele caminho passava gente de toda gente e não havia este a quem a velha casinha não surpreende-se. Ninguém entendia porque o passar do tempo lhe fazia tão bem sem a interferência de um mantenedor e muito menos quem era seu jardineiro. Mas por que não prestigiar seus atributos? O vento sopra e não se sabe de onde ele vem , tampouco para onde vai, entretanto ninguém quer viver sem ele.

Era aquela casinha a inspiração dos poetas e dos menestréis. Incontáveis versos cantaram e encantaram o místico lugar. Artistas de rua a levaram para seus palcos e de seu estilo nasceu outras arquiteturas. A frondosa árvore a sua esquerda é morada para o passaredo que desperta o viajante que se acolhe da chuva debaixo do seu alpendre. Do seu interior ninguém desfruta; santuário que nem o pior dos vândalos se atreve a violar. Qualquer um que sonha se torna seu devedor: o boêmio, o poeta, o músico, o artesão, o lírico, o erudito, o multifacetário, o eclético, o filho e também o pródigo; os ébrios e os sóbrios são seus discípulos; uma voz que chama, mas em vão, pois muda é e calada muito fala já que corações ardem e bocas que enchem por causa dela.

Dizem que por muitos anos ali morou um homem de desconhecida origem e genealogia. Ele sorria para todos os que passavam, especialmente para as crianças. Seu rosto era sereno e seus cabelos brancos. Um suspensório lhe segurava as largas calças. Despertava a bondade e a compaixão dos que o viam, alguns como solitário, outros como a diferença em meio a tanta iniquidade.

Sua alma nunca se abatia, ignorava-se contudo em que ou em quem se baseava sua felicidade. "Cada um tem porquê viver", o anônimo um dia afirmou, mas tanto se pode buscar felicidade ao som da harpa como em meio a escuridão voluntária, visto que a janela marejada por múltiplas gotículas de chuva ou a uniformidade e harmonia do canto gregoriano, vazio do som das cordas e das teclas, é belo e ambos podem trazer paz e música ao fiel.

Marcou assim presença esse desconhecido e célebre senhor, que um dia desapareceu e quem o amava ainda nega que ele morreu, se foi; sua consciência assim se desfez e desse modo foi ele juntar-se aos que nada sabem, mas que a saudade faz crer que com bons olhos nos vigia do Céu, morada do Altíssimo, a quem se destina o retorno do espírito que Ele mesmo nos deu, para descrença do agnóstico e recusa do ateu.

A casinha, por sua vez, ali perdura.  Linda! Charmosa, sem artíficios. Seu  era uma vez, para nós, aqui termina, se feliz, não sabemos, mas ela existe! Levanta  e vê: branca, rosinha, caiada da cor que se imagina; cheia de estampas ou de muitas janelinhas.

sábado, 4 de agosto de 2012

Olhar maduro


Cabelos brancos, pele enrugada, sexagenária. Com dificuldade, calço meu par de tênis com detalhes rosa, presente de minha neta pré-adolescente. Em meu ipod, presente de outro neto, músicas do Roberto.

O sol está bonito, sete da manhã. Atravesso a rua de asfalto recapeado e chego ao calçadão. Ser banhada pelo astro rei me é necessário para produzir o tal do calciferol, que um dia alguém me explicou se tratar da vitamina D.

Meus passos são curtos, peso da idade; passos que já foram ágeis na corrida para não perder o metrô, para acudir o bebê trôpego em seus primeiros passos, para servir o marido, hoje saudoso, ontem faminto após uma longa jornada de trabalho; a nostalgia lamenta a perda do viço, porém o otimismo vislumbra o lado agradável: a marcha lenta me ajuda a melhor ouvir a melodia das vagas quebrando na praia e o granjear da ave cujo nome desconheço. Devagar meu prazer é prolongado pelo bater em meu rosto da brisa suave com cheiro de maresia; melhor admiro o moço bonito parecido com aquele da novela, que passa exibindo saúde. Dou bom dia ao jornaleiro que passa com a pilha das novas do dia.

À minha esquerda, porém, a visão não é tão bonita: vejo passar o endinheirado em seu Land Rover distraído falando ao celular e não vê o que sinaliza avisando que vai ultrapassar. Os pneus cantam a fim de evitar a batida e o ofendido xinga por entre a greta aberta do seu vidro escuro, alguém que não tem nada haver também pragueja e tal peçonha contamina a outros que lhe imitam o gesto com buzinadas e sinais obscenos. “Quanta grosseria!” - penso eu. Alguém pode pôr a culpa no estresse ou nas patologias psicossomáticas da modernidade, porém vem a dúvida: se o fim da modernidade é trazer conforto, então porque tantos “confortáveis” estressados?! Que paradoxo! Acho que tem mais coisa aí escondida. A Sociologia explica que a decadência do discurso moral atrai a violência generalizada, mas ninguém está dando atenção a isso e, aliás, onde estão os sociólogos?! Ah, é mesmo, eles, dentre outros profissionais, são minoria agora, pois alguém disse que Sociologia não dá dinheiro e se você quer ser importante, tem que estudar pra ser “dotor”, mas não qualquer “dotorado”, tem que ser um que dê dinheiro, que se dane a tal da vocação, o que importa é o tostão mesmo que depois seja preciso gasta-lo com caixas e mais caixas de Prozac. Nossa sociedade democrática de voto obrigatório nos impõe um pesado jugo, mas isso é “fashion” e fashion também virou sinônimo para globalização.

Lembro que quando era pequena minha mãe tinha saudade do tempo de antigamente. Hoje estamos muito ocupados nos (sub) desenvolvendo através da literatura do “babado” onde é muito informativo averiguar se aquela cantora famosa já está em boa forma após dar a luz ao filho daquele outro famoso que desfez um casamento de vinte e cinco anos só por que a esposa já estava velha.

Finalizo minhas conjecturas suspirando, agora eu, com saudade do tempo de antigamente. Éramos felizes e não sabíamos.

sábado, 30 de junho de 2012

O Consolo do Espírito Santo

A palavra consolo é definida no dicionário como o ato ou efeito de trazer conforto; acalento. Os cristãos entendem mais o consolo do Espírito Santo como sendo aquela ajuda recebida nos momentos tristes.

Mas o que realmente vem a ser o consolo vindo da parte do Espírito Santo? Vejamos o que a Bíblia diz em:

a) Jo. 14-16;17: "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre, o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece; mas vós o conheceis, porque habita convosco e estará em vós."

b) Jo. 14-26: "Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto tenho vos dito."

Agora analisemos as palavras de Jesus: na alternativa a, Cristo revela quem é o Espírito Santo e o mais interessante é o uso da expressão "outro Consolador". Em Matheus 11, a partir do verso 28, Jesus faz um convite para que venhamos a Ele e, dentre as promessas que faz, está a de trazer alívio e conforto. Assim sendo, podemos concluir que ele também tem o papel de Consolador. Depois disso, Ele se refere ao Espírito como sendo o "Espírito da Verdade" e, outra vez, mais uma lição nos é passada: se Ele diz em Jo. 14-6 que é o Caminho, a Verdade e a Vida, então de quem é o Espírito senão dele mesmo? Outro fato interessante é a exclusividade desse Espírito. Jesus deixa claro que o mundo não pode recebe-lo porque não O  vê nem o conhece. Somente aqueles que são de Deus tornam-se habitação de seu Santo Espírito.

O item b, neste caso, nos é mais revelador, porque nos ensina em que consiste, precipuamente, a presença do Espírito Santo em nós. Cristo diz: "... vos ensinará todas as coisas." ou seja, primeiramente, nos educar, instruir, capacitar, etc. E mais adiante ele completa: "...e vos fará lembrar de tudo quanto tenho vos dito." Eureca! Este é o ponto chave! O Espírito Santo nos consola toda vez que nos faz lembrar das Palavras do Senhor, de suas promessas, de quem somos por intermédio de Cristo e isso ocorre com mais intensidade quando estamos passando por diversidades. Isso nos renova, nos fortalece, nos alivia, nos faz perceber que não estamos sós, que há um Deus maravilhoso e poderoso a labutar por nós. Sermos instruídos em justiça pelo Espírito do Senhor e depois por Ele mesmo sermos lembrados de Sua grandeza é o que nos faz seguir adiante. Aleluia!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Aquele Estranho

Por entre esses muitos caminhos da vida, conheci alguém. Seu nome eu nunca soube. Ele era mais velho do que eu. Sua pele era parda, seus cabelos lisos e escuros lhe caiam à altura do pescoço. Era alto e magro, mas atraente. Seus olhos: verde-esmeralda.

Nossa amizade começou com uma troca de gentilezas, dessas corriqueiras entre estranhos. Foi aí que nossos olhares se cruzaram e algo diferente nasceu em meio a uma série de encontros nada casuais. Ficamos um bom tempo nos admirando de longe. Meus olhares eram furtivos, os dele, diretos. Assim ficamos até que ele veio a mim, como convém aos cavalheiros.

Conversávamos de tudo um pouco, mas era a Literatura que dominava nossos diálogos. Ele era graduado e confessou-me dias mais tarde que dispendera dez anos de sua vida lecionando, mas que agora não mais possuía pupilos pela força de um contrato. Seu muito saber me constrangeu no princípio, contudo depois fui relaxando; a maneira pela qual ele expunha seus dotes era tão simples e envolvente que desconhecer se tornou uma dádiva. Era prazeroso ve-lo gesticular ao passo que acabava com minha ignorância e de igual modo ver os movimentos harmônicos de seus lábios bem feitos. Em diversas ocasiões desliguei-me do que ele dizia a imagina-los por sobre os meus; sua maciez e gentileza ao beijar-me. Depois a razão chamava de volta à realidade a mente vadia.

O cair da tarde era a hora de dizer adeus; hora de voltar para nossos mundos até o encontro seguinte. Brincava ele que nos separar por algumas horas era imperioso a fim de termos o que narrar depois. Eu sorria tímida. Cada despedida me custava uma parte da noite em vigília, a ruminar nossas conversas, a relembrar cada gesto, cada frase com o intuito de me provocar riso, cada expressão de afeto e admiração.

Meu coração me indagava se estava eu apaixonada por aquele estranho, mas que dizer ao coração? Que sensatez pode haver em quem tem o amor como senhorio? Não  podia racionalmente com ele contender. Lhe oferecia sempre o silêncio como resposta.

Nossos dias ao todo foram cinquenta e sete. No quinquagésimo oitavo, nos separamos, porque assim quis ele. Recebi das mãos de um garçom em nosso sagrado lugar um manuscrito que até hoje repousa no interior do compilado que guarda os versos de Cecília, os meus preferidos. O papel era comum, a caligrafia artística. Li a primeira sentença e tornei a dobrar o papel. Não! Não era verdade! Eu não podia aceitar! Tive ímpetos de atira-lo longe. Quis amassa-lo, com raiva, mas meu músculos tesos pelo sangue congelado em minhas veias me foram um empecilho. Ofegante, pensei que ia desfalecer. Uma nuvem escura já pairava em frente a meus olhos quando uma voz feminina perguntou-me se eu passava bem. Engolindo em seco e sorrindo forçadamente menti á gentil mulher.

Mais do que depressa fugi dali. Refugiei-me em um canto e levei o manuscrito ao nariz, porém nada aspirei além do cheiro da celulose. Que ódio, que dor! Levei o escrito ao peito e ali o mantive por sobre o meu coração até a torrente de lágrimas cessar e com os olhos embaçados o reabri. Sim, a verdade estava ali: o mesmo papel comum, a mesma caligrafia artística, a narrar o seu adeus:

Caríssima,


          Sinto profundamente em assim tão covardemente me despedir. Não suportaria ver em teu rosto qualquer expressão de dor depois de ter sido iluminado tantas vezes com a luz do teu sorriso.
             Não quero que te sintas culpada por coisa alguma, pois mal nenhum me causastes. A verdade é que sou um vilão, um pérfido, que não merece tua amizade e muito menos o teu amor. Sim! Sei que  me amas e eu também te amei desde o primeiro momento, quando teu rosto de anjo remeteu-me a sensações que nunca antes experimentei por mulher alguma. Nunca perguntei teu nome, entretanto estou certo de que é tão lindo quanto a tua voz, ora de menina, ora tão mulher. Insisti em encontra-la porque demorei de me dar conta de que tu não eras uma miragem, fruto da loucura de minhas muitas letras e foi nesse instante que se iniciou o meu delito, pois pareço vivo, mas estou morto. Uma silenciosa enfermidade está me tomando a vida e contra ela já desisti de lutar. Decidi viver o resto de meus dias de maneira inconsequente uma vez que a medicina já foi vencida e vi que me será mais digno cessar de existir, quem sabe, como um boêmio e, assim, quando finalmente cair morto, seja minha aparência menos asquerosa que a do moribundo que aguardou a senhora do destino de todos nós em cima de um leito.
          Melhor será para ti, minha querida, nos separarmos agora, para que teu sofrimento seja menor. É o mínimo que posso fazer. Melhor teria sido não ter eu te causado incômodo nenhum, contudo não posso fazer voltar o tempo. Espero que me perdoes. Tu tens uma vida inteira pela frente e muitos sonhos a sonhar. Não sei para onde vou, mas quero que saibas que não a esquecerei minha Iracema, minha Isolda, minha Julieta.
            Termino aqui permanecendo assim, inominável a fim de que seus lábios não sejam maculados pelo nome de alguém que não merece lembrança. Adeus.


Dobrei a carta de modo a ficar bem pequenininha e a escondi entre os seios. Voltei para casa e vivi muitos dias de luto pelo meu amor, meu Tristão, meu Romeu, com quem vivi uma eternidade de mil, trezentas  e sessenta e oito horas.

sábado, 16 de junho de 2012

A Era do Conhecimento e a Emburratização

Na década de oitenta, Peter Drucker previu que entraríamos na era do conhecimento e isso é verdade - estamos vivendo nela, mas percebi também que há uma força trabalhando contra o avanço do saber e aqui a denominaremos de "emburratização".

Há quem possa julgar o que Drucker chamou de era do conhecimento como uma coisa contemporânea, mas a emburratização, (termo a que peço licença ao querido leitor para usa-la sem me valer das aspas tal como fiz no título) não. Ela já vem de longas datas, do tempo em que alguém (diga-se sempre) se ocupou em espalhar que o saber e o conhecer é privilégio de poucos, que a ignorância e a felicidade andam de mãos dadas, que estudar é para quem não nasceu bonito e, portanto, não pode ser artista, essas coisas.

O sabido incomoda. Basta que alguém demonstre ter um pouquinho mais de "tutano" para começar a sofrer bullyng de variadas formas. Diante disso, o geniozinho, coitado, em busca de aceitação, decide emburrecer ou se manter na média.

Como foi dito no segundo parágrafo, não são de agora as astutas manobras a fim de manter o povo na ignorância. O dominador sabe que não pode com cabeças pensantes. Vejam por exemplo o que ocorria em nosso país durante a ditadura. Quem se atrevia a pensar diferente era tachado de subversivo e tornava-se alvo de perseguição. Os estudantes de Filosofia, Sociologia ou de qualquer outra "ia" que ensine a pensar, pior ainda! Chegaram até a criar os cursos de nível médio técnico de modo a ninguém precisar (leia-se impedir, evitar...) ir a faculdade.

Refletir a respeito destas coisas me faz indagar cada vez mais que paradoxo é esse: é a emburratização andando em paralelo à indústria do conhecimento e, diga-se de passagem, que força ela tem! Ao ligar a TV, vemos as mulheres frutas, condimentos e répteis, com seus corpos esculpidos disseminando (ou ressuscitando) a cultura da mulher objeto, novelas, os realities besteiras, besteiras e besteiras e outros programas que atentam, afrontam e ofendem nossa inteligência tendo altos índices de audiência para sorte deles e infortúnio nosso. Essas coisas além de alienar, atrai outra sorte de prejuízos.

Estudar, no entanto, continua sendo pré-requisito pra se arrumar um emprego e, consequentemente, ganhar dinheiro. O mercado de trabalho, hoje mais exigente, sempre requereu de nós a qualificação. Diante disso,  continuando o raciocínio ante ao paradoxo citado no parágrafo três: milhões correm em busca do conhecimento que lhes dará o diferencial a fim de conquistar a tão almejada colocação e, diga-se de passagem, não qualquer colocação, e sim à que o esforço seja mínimo e o retorno máximo. Imagino que alguém aí do outro lado acabou de gargalhar e exclamar: "É assim mesmo!". Que se danem os investimentos a longo prazo! Queremos plantar agora e colher ontem!

Veja o que escreveu o filósofo Arthur Schopenhauer, na primeira metade do século XIX:


"Quando observamos a quantidade e a variedade dos estabelecimentos de ensino e aprendizado, assim como o grande número de alunos e professores, é possível acreditar que a espécie humana dá muita importância para a instrução e a verdade.
... E os alunos não aprendem para ganhar conhecimento e se instruir, mas para poder tagarelar e ganhar ares de importantes. A cada trinta anos desponta no mundo uma nova geração, pessoas que não sabem nada e agora devoram os resultados do saber humano acumulado durante milênios, de modo sumário e apressado, depois querem ser mais espertas que todo o passado. É com esse objetivo que tal geração frequenta a universidade e se aferra aos livros, sempre aos mais recentes, os de sua época e próprios para sua idade. Só o que é breve e novo! Assim como é nova a geração, que logo passa a emitir seus juízos. - Quanto aos estudos feitos simplesmente para ganhar o pão de cada dia, nem os levei em conta." (A arte de escrever, Schopenhauer, 2005, L&PM Editores, pag 19)

Adaptando a passagem acima ao nosso contexto, veja se não é isso que estamos vivendo? Ainda citando Schopenhauer (2005), o que se tem em mente hoje não é a instrução e sim a informação. Busca-se os títulos. A palavra profissional tem perdido seu sentido etimológico. O bom agora é estudar para ser "doutor". Eles estão errados? Em uma análise superficial, não. Para que um saber profundo, genuíno e de qualidade em um mundo que lhe oferece em troca a massificação e a alienação? Pobre de mim e meus "textos cabeça" e que alegria a minha ter quem me leia!

Disse Jesus: "Entrai pela porta estreita porque larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela". Quem tem ouvidos para ouvir ouça e bem-aventurados são os que leem as entrelinhas. Do contrário, que Deus tenha misericórdia de nós.


sábado, 5 de maio de 2012

Alice

O raiar de mais um novo dia tiraram Alice da cama. Não precisava se dar ao trabalho de se levantar tão cedo, porém Alice apreciava as primeiras horas da manhã. O período de cinco as sete tinha para ela um odor singular. Tudo parecia estar igualzinho às vinte e quatro horas anteriores, mas era um novo dia, uma página em branco aguardando a reescrita; tempo de continuar o que ficou inacabado ontem. Roupas já podiam ser vistas balançando ao varal, a vizinha barulhenta do 7-b já escutava sua música de péssima qualidade, passarinhos se agitavam nos fios de alta tensão e não muito longe dali pneus cantavam.

Vencida a preguiça matinal, a mulher de curto cabelos vermelhos alongou seus magros músculos e se dirigiu a cozinha. Seu desjejum foi um copo bem grande de suco de laranja acompanhado por um sanduíche idem à frente da TV. O programa era legendado, mas a ruiva não prestava muita atenção nas duplas fileiras de diálogos que rapidamente iam e vinham. Ateve-se a estudar a linguagem corporal das personagens ao tempo em que se divertia com suas caras e bocas. Interessante era conjecturar a respeito daquele contexto onde de maneira bem humorada alguém entendeu por bem expor as aventuras e desventuras impostas pela regra do conviver. Da mesma forma era intrigante entender como alguém cercado por tantos podia se condicionar a uma existência solitária. Grande parte das pessoas que conhecia encaixavam-se neste perfil com maestria: seus perfis nas mais baladas redes sociais continham um número expressivo de "amigos", contudo deixavam a desejar no quesito interação.

Crescer para aquela jovem de vinte e cinco anos significou muitas coisas além de atingir 1,72 de altura. Ninguém entendeu quando ela deixou a casa de seus pais, tampouco quando escolheu uma profissão pobre em status, mas assim era Alice. Quem bem a conhecia, sabia que sua ideia de amadurecimento baseou-se em não seguir o curso desse mundo; não se dobrar diante da ditadura da estética ou qualquer outra coisa que significasse cerceamento de liberdade. A tutela do Estado e a obediência, primeiramente as autoridades paternas, já lhe bastavam para aquilo que lhe significava bem comum não beirar ao caos. Sua organização e sistemas eram únicos para infortúnio dos invejosos que nunca se importaram em deixar o cômodo banco da mediocridade.

Alice imunizou-se, sem a mínima ideia de como ou quando, ante as patologias sociais e não se envergonhou em procurar Freud a fim de que este lhe explicasse e desmistificasse as três figuras do seu eu. O resultado foi uma mulher mais forte, mais segura de si e menos preocupada com o que tem dado e recebido. Aprendeu que frutos geralmente não são colhidos imediatamente e que é importante improvisar com aquilo que se tem em mãos.

Dificuldades em se moldar ao que o mundo entende como social ainda existiam, entretanto cada pôr do sol e cada amanhecer significavam novas chances, novas possibilidades, novas maneira de ver e ouvir, de sentir, aspirar. Rico era o terreno a ser explorado e assim Alice se via fazendo ciência. Acreditava em obter sucesso na coletividade em um pequeno universo, à princípio, preço pequeno diante de um bem maior e mais lucrativo, não exatamente significando cifrões. Como todo peregrino nesta terra, era preciso continuar seguindo viagem, parando aqui e ali para descansar até alcançar a Terra Prometida e, é claro, não desprezar a figura dos seres com os quais iria cruzar durante a jornada. Gente de toda parte, de variados povos, línguas e nações; cada um do seu jeito, pisando devagar em terra estranha; forasteiro, profeta sem honra em sua própria casa, mas batalhador.

Ninguém nasceu para viver só e Alice cria que além da bonança no lugar onde mana leite e mel, se uniria aos seus. Outros incompreendidos, rejeitados e órfãos seriam seus irmãos e juntos fariam a diferença. Esse número era bastante insignificante agora, contudo suas esperanças de que este aumentasse com o tempo era enorme. O pobre, o doente, o oprimido, o caridoso, o samaritano e toda espécie de enfermos encontrariam a cura, o aconchego, o alívio, a vida, o pão, e o manancial de águas doces sob os galhos da mesma árvore em que vinha fazendo morada, nascida do mesmo grão de mostarda que outrora fora julgado estéril.

Alice quase não cabia em si mesma. Seus atributos físicos não eram muitos e o choque que causava um paradoxo, pois tanto podia passar invisível como atrair todos os olhares para si. De uma pessoa desse gabarito não se sabia o que dizer e de semelhante maneira o que se pensar, mas caber em si mesma não era nela o ser presunçoso. Fora um bebê mui desejado, mas não ocupara por muito tempo a cadeira de preferida de seus pais. Como toda adolescente teve sua crise de identidade e era incapaz de analisar com qual grau de "maturidade" atingiu a idade adulta. Só sabia que foram tempos difíceis que graças ao bom Deus tinham ficado para trás e hoje, o que ela podia chamar de experiência, julgava que melhor servia se fosse para ajudar o seu próximo sem sensacionalismos. Não importava quantas pedras lhe atirariam. Alice nascera para ser Alice. Ponto final.


Deus Atende Desejos ou Necessidades?