sexta-feira, 31 de maio de 2013
segunda-feira, 27 de maio de 2013
Amor platônico
Entre letras e suspiros sobrevive
o poeta da praça, sem beleza ou formosura. Ele sai todo dia cedinho de casa com
a benção da mãe já bem velhinha e a benção do pai no retrato, de quem só resta
a saudade. No banco da praça se assenta e para as beatas a caminho da missa ele
acena.
E ele vê passar a D. Ruth, o Seu
Marcelo, a D. Emília. Lá adiante, Seu João abre a banca e assim se oficia a
primeira parte de seu dia: o café fresquinho, acomodado na garrafinha de alça
vermelha, que a D. Francisquinha Lhe faz de bom grado. A prosa flui a cada gole
e depois riem do Seu Pedro, macambúzio por natureza. Ele passa emproado, o
cabelo na goma. O poeta mesura em troça, João dá bom dia, mas o ancião aos dois
ignora, pois possui filho e neto já doutores e “doutor” não se dá com “gentinha.”
Finda a pausa, volta o
trabalhador a seu lugarzinho e ali compõe o primeiro rabisco do dia: “Melodia
de viver” – ele o batiza. O moço enamorado muito lhe agradece, rasga-lhe seda,
chama-lhe de artista. O poeta, em discordância, diz que a arte é da D. Clarice,
do Seu Drummond, da D. Coralina. Ele só tem a “cabeça boa” - endossa lembrando
o que ouvia na tenra idade. Em prol do sustento, a pobreza só lhe permitiu
pouca instrução. O rapaz meneia a cabeça e contesta, mas o poeta não lhe dá
ouvidos, pois assim como o amor cega ele também ensurdece. Ora, pois, ela era
quem vinha Dorinha, moça do sorriso de marfim. O sol de azul alumia sua negra
cabeleira e de noite, a lua, com inveja dela, não sai.
Ela passa de casaco bordado,
óculos escuros, passos de rainha e, por piedade, lança um cumprimento ao mortal
plebeu que o acolhe num sussurro. Ela então se afasta carregando consigo a
graça de sua passagem e o poeta de tristeza agoniza em silêncio.
O freguês, que a tudo assiste e
nada entende, lhe dá a paga e se vai. O poeta ali permanece e com profundo pesar suspira, ansiando pela chegada de do dia seguinte.
sábado, 25 de maio de 2013
O Taylorismo morreu?
Para quem não está familiarizado com o termo, Taylorismo é a
nomenclatura pela qual se denomina o modelo administrativo idealizado por
Frederick Taylor. Sua característica principal é a ênfase nas tarefas. Em 1911,
Taylor publicou o livro “Princípios da Administração Científica”, que tinha
como ideia principal a racionalização do trabalho. Além disso, Frederick
criticou veementemente a administração por incentivo e iniciativa, que é o que
ocorre quando um trabalhador sugere ao patrão ideias que possam dar lucro e
assim provocando seu superior de modo a ser recompensado por isso. Taylor
defendia a tese de que, uma vez recompensado por suas ideias ou atos, o
subordinado torna-se dependente deles.
Particularmente, aprecio os argumentos de Taylor no que tange à
eficiência do trabalho, que envolve fazer as tarefas de modo mais inteligente e
com a máxima economia de esforço, porém ainda em minha opinião, a Administração
Científica só não alcançou a plenitude por causa de sua visão mecanicista ao
extremo, expressão esta, quem sabe exagerada por parte desta que vos escreve,
contudo as críticas apresentadas a este modelo de administração, das quais
posso citar, como exemplo, a visão do homem como máquina e a ignorância quanto
às necessidades do trabalhador em um contexto social, acredito eu, falam por si
só. Taylor acreditava que para se chegar à eficiência era preciso selecionar
corretamente o operário, e adestra-lo. Agora aqui vai uma perguntinha: ainda há
trabalhadores sendo “adestrados”? Imagino alguém aí do outro soltando uma
sonora gargalhada ao passo que emite um sinal positivo com a cabeça e assim
creio que já temos condições de oferecer resposta ao questionamento que
intitula este relato: não, o Taylorismo não morreu.
Profissionais e estudantes da área talvez se dirigissem a mim
neste instante com a afirmação de que não há nada novo em meu questionamento e
que muito menos uma questão desta natureza carecia de vir à tona. O método
Taylorista (Taylorista/Fordista para ser mais precisa) de produção ainda é
adotado nos dias de hoje, em maior escala nas atividades industriais,
entretanto o modus operandi dos restaurantes de fast food também tiveram suas
origens no Taylorismo. O que não me agrada na sobrevida deste modelo
administrativo é a parte “homo economicus” da coisa. Ainda tem muito gestor por
aí ignorando as necessidades não monetárias de seus liderados e os considerando
como máquinas. Não estou fazendo nenhum tipo de apologia a qualquer forma
romântica de administrar ou muito menos vendendo a ideia de que líderes devem
ser piegas até porque considero a pieguice pouco inteligente (isso sem falar em
seu uso como instrumento de manipulação e alienação). Só acho o cúmulo que em
pleno século XXI ainda haja gestores com um pensamento tão provinciano, o que
nos remete a outro questionamento: o porquê de eles serem assim. A princípio,
podemos conjecturar que é por ignorância, mal que vem nos prejudicando há
séculos. Paulo Freire com certeza diria que a saída é a educação - dever do
Estado, todavia este não pode se utilizar de seu poder de império com vistas a
condicionar um mínimo de preparo acadêmico ao que aspira empreender. O
conhecimento é multifacetário e, assim sendo, da mesma maneira de que a
imaginação conjugada à intuição pode levar um indivíduo a uma empreitada de
sucesso, me custa também a acreditar que esta última não faça “soar o alarme” a
fim de chamar a atenção destes despreparados. A saúde de uma organização não se
mede tão somente por suas demonstrações financeiras. Alta rotatividade de
funcionários e absenteísmo idem são tão preocupantes quanto um saldo financeiro
negativo.
Vez por outra os noticiários nos apresentam a rotina dos fiscais
do trabalho por esse Brasil afora desbaratando fazendas e outros
empreendimentos onde se empregava mão de obra escrava e quão bom seria se
houvessem iniciativas, públicas ou não, com o fito de erradicar esse paradigma
mecanicista. O mundo moderno agora possui uma visão holística e já foi
constatado de que só conseguirá sobreviver à pós modernidade aquele que dominar
o conhecimento e a comunicação (em especial a de nível básico), bem como a
resiliência e a proatividade. No
que tange à comunicação,quando esta ocorre de maneira inadequada, pode
desestabilizar todo um ambiente, causando sérios prejuízos à organização.
Em
outubro do ano passado, um artigo muito interessante baseado no filme “Tempos
Modernos” de Chaplin foi publicado no site administradores.com, onde nos são apresentados
protótipos contemporâneos da maximização da produtividade do trabalhador, em moldes
considerados mais sutis pelo autor, como por exemplo, o uso do celular
corporativo e da internet, que permite ao funcionário despachar, resolver
problemas ou até mesmo preparar relatórios enquanto está em casa ou no clube.
Neste mesmo site, há poucos dias, uma outra obra, tão inteligente quanto esta
foi postada para nosso deleite. Nela, seu criador, o colunista Wagner Siqueira
questiona o porquê de os clássicos da administração não serem mais estudados.
Devo confessar que ficar ciente de tal absurdo me causou um espanto enorme e
honestamente acho que privar os estudantes de Administração destes
conhecimentos produz os mesmos efeitos de se formar profissionais de saúde
ignorantes quanto à anatomia e fisiologia humana.
Diante
do exposto, fica mais do que óbvia a veracidade da máxima de que na natureza
nada se perde, tudo se transforma e não vejo porque não remete-la ao mundo
corporativo.
sábado, 18 de maio de 2013
quinta-feira, 16 de maio de 2013
O Sertanejo
Com o rubro céu, chega a tardinha. Espanta a passarada, a
primeira aragem da noite.
Junto com as malhadas, volta o sertanejo da lida. O chapéu de
palha desfiada esconde o cabelo lisinho. O sorriso é desfalcado de alguns dentes
e um tanto rouca sai a sua voz ao entoar a primeira moda: é hora do comércio
fechar, hora de chamar a criançada para o banho, hora de o sino badalar em
anúncio à missa; e ele não vê a hora de se aconchegar nos braços de sua Rosa.
Ele sabe que a encontrará a sua espera, com a janta quentinha à mesa, perfumada
e com o cabelo bonito para ele notar.
Rosa é dona de casa caprichosa. Levanta com as galinhas, põe
a água do café e enquanto a chaleira não chia, ela faz seu asseio. Asseio
feito, ela côa o pretinho e mistura a farinha. Cuscuz já cheirando ela acorda o
marido, vai labutar com os meninos e assim se vai a manhã. De tarde é costura até a hora de aprontar a
janta.
Depois de todo mundo recolhido é que a Rosa se deita, mas não
antes de tecer seu rosário. O sertanejo, não muito crente, ouve quietinho as
sussurradas preces de gratidão pelo pão daquele dia, pela saúde das crianças, pelo
bebê novo da vizinha, pela força nos braços para trabalhar. Passado esse
momento, o sertanejo se vira e a Rosa, que é do dia, dá lugar a Rosa que é só
dele. Rosa de doce cheiro, bom cheiro, agora vestida apenas com seus cabelos. Ele
a toma e a ama até quando o galo canta em anúncio à primeira vigília. O amor se
encerra trazendo as estrelas para mais perto e o casal junto adormece.
Ao raiar do dia, beija o sertanejo em despedida a sua amada e
parte para o trabalho acompanhado de sua viola. A cantiga agora chama-se felicidade
– versos que ele mesmo rabiscou.
terça-feira, 14 de maio de 2013
Lírica Poesia Bíblica
Eu sou do meu amado e ele é meu. Como
noiva me ataviei e me perfumei, e em meu jardim me assentei a sua espera.
Quão formoso é o meu amado em sua
armadura! Homem valente, destro na guerra, nascido do Espírito. Ele vem e me mostra sua face. Meu
coração se exalta ao som da sua voz. Seus olhos são da cor do mel, seus lábios
como o fio da escarlata e é doce o seu falar.
Ele versa minha formosura, pois preciosos
são os meus amores. Adornada estou com
seu coração; somos fonte selada, fruto excelente, formosos e aprazíveis às
vistas do Pai.
Ele me põe como selo sobre teu
braço e as muitas águas não podem nos afogar. O meu amado é meu e eu sou dele; é meu, o meu amado
e eu, dele sou, e de Deus, somos nós...
sexta-feira, 10 de maio de 2013
Alice à janela
Alice serviu-se de uma caneca de
café e foi degusta-la á janela. O ocaso era seu momento preferido do dia, não
só pelo amarelo-rubro de que se pintava o céu. Era a hora do rush, momento em que
as principais vias da cidade se tornariam um imenso lençol de luzes vermelhas.
Com um risinho no canto da boca, Alice ponderava ser ela a única pessoa a ver
poesia naquilo, mas era o jeito Alice de ser: viver à margem do comportamento
urbano. Para ela era prazeroso sentir o cheiro do mar ao cruzar a Avenida
Contorno, mesmo com o coletivo lotado.
Terminada a bebida, a mulher
depositou a caneca a seus pés e prosseguiu em apreciar a paisagem. Residia em
um bairro classe média e àquela hora as cenas mais frequentes eram os pais de
família retornando de mais um dia de labuta e a molecada, sempre aos bandos,
voltando da padaria. Vislumbrar aquelas embalagens brancas provocava-lhe um
sentimento nostálgico – fora criança no tempo em que os sacos de pão eram de
papel. Também em sua época, professores eram mais respeitados, dava-se valor à
virgindade e não se pensava em transformar sandices em lei. Essa conjectura, tal
como outrora, de igual modo a fez recordar-se de que houve um tempo em que a
filosofia de alguém se pautava muito mais nas coisas que dizia do que em seu
comportamento. E o que dizer do falar?! “Ah, o falar!” – suspirou ela – Arte
tão deficiente entre aqueles que formam os atuais grupos de referência. Como seriam
tais pessoas aos olhos de Aristóteles, Demóstenes e Cícero, famosos oradores?
Verbosidade, aliás, assim pensava Alice, seguindo a mesma linha de raciocínio,
era a menor das preocupações da sociedade atual. Carecia-se mais de valores.
Importantes pilares da sociedade vêm sendo removidos sob a desculpa de que faz
necessária a quebra de paradigmas e os que percebem o embuste vem sendo
perseguidos, tachados de retrógrados intolerantes, preconceituosos; jogados aos
leões pela mídia.
Um dia, alguém disse que os laços
estavam muito apertados e é verdade. É só fazer um pequeno tour pela História e
lá constatar que gerações inteiras foram, por assim dizer, “castradas” por
causa do advento de ideologias embasadas em distorções da verdade,
convenientemente vendidas como modelos de moral e bons costumes. As motivações
para tais práticas foram, sobretudo, políticas e algumas delas infelizmente
perduram até hoje.
Alice sentia-se indefesa e
impotente diante de tal quadro ao passo que pensava se realmente havia o que
ser feito, pois o mesmo povo que clama por justiça, tem sede de sangue, o mesmo
povo que exige honestidade por parte de seus parlamentares tem por “otário” o
seu semelhante que se recusa a participar daquele “negociozinho”, que por mais insignificante que pareça ser, não perde seu cunho escuso.
Se Alice desafiada fosse a nomear
tal fenômeno e porque não dizer enfermidade que tem empurrado a coletividade ao
abismo, não precisaria inventar nenhum vocábulo novo. Tratava-se de hedonismo e
nada mais.
Cansada de fazer inferências, a mulher de
estatura mediana decidiu deixar a janela, porém deteve-se mais um pouco por
conta de escutar alguém gritar o seu nome. Seu rosto irradiou-se ao ver que se
tratava de sua vizinha da frente que, após as gentilezas de praxe,
perguntou-lhe quais seus planos para aquela noite, entretanto tomar ciência dos
mesmos causou-lhe espanto, pois não entendeu o que levou a outra a marcar um compromisso
daquela natureza bem na hora da novela.
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