quarta-feira, 29 de junho de 2016

Frustrações de Alice

A vida adulta nos traz a liberdade para conduzir nossos caminhos, bem como a possibilidade de tomarmos decisões por nossos mesmos, entretanto não há bônus sem ônus. Alice aprendera tal lição e tanta outras por intermédio de sua saudosa mãezinha.

Metade da manhã havia se consumido. O sol brilhava tímido no céu acompanhado de nuvens esparsas e esquálidas. O vento parecia ter se recolhido, pois não se podia visualizar seu movimento por entre a vegetação. Plúmbeas divisórias e um mobiliário cor de gelo eram o cenário que compunha aquele ambiente interno em que fisicamente a balzaquiana se localizava. Sua mente, por sua vez, viajava por entre aquele quadrado da natureza; moldura da janela cujo diâmetro lhe permitira dali partir e misturar-se aos naturais, amigos seus não fluentes em língua portuguesa, mas que lhe entendiam tão bem.

Alice não conhecia para a situação que até então atravessava outro remédio senão liberar seu cognitivo tão poderoso e veloz - saneamento melhor não existia. Frustrada estava. Ansiosa, desgostosa. Aquele querer lhe devorava. Apaixonara-se e se deixara arrebatar por essa paixão como há muito não se permitia, mas frustrara-se. Agora, só o tempo lhe embalsamaria as feridas e a homeopatia daquela solidão reflexiva, seria seu elixir.

Se sabatinada fosse, não saberia dizer o que dera de errado. Os olhares, as gentilezas, as amabilidades e os elogios mútuos eram típicos dos enamorados. Sua cabeça doía devido à hiperatividade de uma gama de conhecimentos de tão pouco proveito naquele momento. A ciência nunca pôde aprisionar qualquer emoção em um tubo de ensaio. As coisas do coração jamais se confinariam nas paredes frias de qualquer laboratório. Como então encontrar um culpado ou uma explicação? Teriam sido suas ações insuficientes ou excessivas? Quem seria capaz de lhe responder tal indagação, uma vez que o detentor de tal conhecimento é justamente o objeto de seu rejeitado afeto?

Alice remexeu-se na cadeira e afastou uma mecha de cabelo que lhe caía à testa para depois finalmente voltar sua atenção a pilha de documentos a sua frente. Suspirando impacientemente, sorveu um gole d’água. Seus lábios estavam secos, mas dos beijos dos quais não usufruíra e seus ossos frios dos abraços que não recebeu. Depois dali deslocar-se-ia ao habitat da escuridão e da lástima, onde um dia fora casa adornada e pronta para o amor; e o leito antes reservado ao laço de dois corpos envolvidos pelo torpor do prazer, servia de jazigo às lágrimas de lamúria e desapontamento; soluços e gemidos tomaram o lugar da orquestra que entoaria o tema dos amantes, hoje falsos amigos, fadados aos salamaleques que a boa educação exigia.


Esse último pensamento fez com que Alice remexe-se novamente e liberasse um novo suspiro. Precisava ser compassiva, pois assim quem sabe seu opróbrio seria de alguma valia. O outro lado era fina flor a desabrochar; era menino trôpego em suas primeiras passadas, que acha que ama e achou que amou, contudo nada ainda viveu. Apenas contempla sua face no espelho, como Narciso via-se em águas cristalinas. Pobre querido de todas e amado de nenhuma.

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