Cabelos brancos, pele enrugada, sexagenária. Com
dificuldade, calço meu par de tênis com detalhes rosa, presente de minha neta
pré-adolescente. Em meu ipod, presente de outro neto, músicas do
Roberto.
O sol está bonito, sete da manhã. Atravesso a rua
de asfalto recapeado e chego ao calçadão. Ser banhada pelo astro rei me é
necessário para produzir o tal do calciferol, que um dia alguém me explicou se
tratar da vitamina D.
Meus passos são curtos, peso da idade; passos que
já foram ágeis na corrida para não perder o metrô, para acudir o bebê trôpego
em seus primeiros passos, para servir o marido, hoje saudoso, ontem faminto
após uma longa jornada de trabalho; a nostalgia lamenta a perda do viço, porém
o otimismo vislumbra o lado agradável: a marcha lenta me ajuda a melhor ouvir a
melodia das vagas quebrando na praia e o granjear da ave cujo nome desconheço.
Devagar meu prazer é prolongado pelo bater em meu rosto da brisa suave com
cheiro de maresia; melhor admiro o moço bonito parecido com aquele da novela,
que passa exibindo saúde. Dou bom dia ao jornaleiro que passa com a pilha das
novas do dia.
À minha esquerda, porém, a visão não é tão
bonita: vejo passar o endinheirado em seu Land Rover distraído falando ao
celular e não vê o que sinaliza avisando que vai ultrapassar. Os pneus cantam a
fim de evitar a batida e o ofendido xinga por entre a greta aberta do seu vidro
escuro, alguém que não tem nada haver também pragueja e tal peçonha contamina a
outros que lhe imitam o gesto com buzinadas e sinais obscenos. “Quanta
grosseria!” - penso eu. Alguém pode pôr a culpa no estresse ou nas patologias
psicossomáticas da modernidade, porém vem a dúvida: se o fim da modernidade é
trazer conforto, então porque tantos “confortáveis” estressados?! Que paradoxo!
Acho que tem mais coisa aí escondida. A Sociologia explica que a decadência do
discurso moral atrai a violência generalizada, mas ninguém está dando atenção a
isso e, aliás, onde estão os sociólogos?! Ah, é mesmo, eles, dentre outros
profissionais, são minoria agora, pois alguém disse que Sociologia não dá
dinheiro e se você quer ser importante, tem que estudar pra ser “dotor”, mas
não qualquer “dotorado”, tem que ser um que dê dinheiro, que se dane a tal da
vocação, o que importa é o tostão mesmo que depois seja preciso gasta-lo com
caixas e mais caixas de Prozac. Nossa sociedade democrática de voto obrigatório
nos impõe um pesado jugo, mas isso é “fashion” e fashion também virou sinônimo
para globalização.
Lembro que quando era pequena minha mãe tinha saudade
do tempo de antigamente. Hoje estamos muito ocupados nos (sub) desenvolvendo
através da literatura do “babado” onde é muito informativo averiguar se aquela
cantora famosa já está em boa forma após dar a luz ao filho daquele outro
famoso que desfez um casamento de vinte e cinco anos só por que a esposa já
estava velha.
Finalizo minhas conjecturas suspirando, agora eu,
com saudade do tempo de antigamente. Éramos felizes e não sabíamos.
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